LAS CONFERENCIAS TEMÁTICAS: Cultura política e cidadania
 

 

A questão do Eixo 3 ("Como fortalecer a capacidade de ação das sociedades civis e a construção do espaço público?") remete a várias outras, como a seguinte: "Como integrar políticas de identidade, linguagens de movimentos sociais em uma frente de identidades de subversao, em uma frente de esquerda contra o neoliberalismo?

Defendo a potencialidade de movimentos sociais sobre identidades construídas a partir do espaço corpo, corpo no mundo, entre repressões e criatividades libertarias, como o movimento negro, e o feminismo, entre outros, para uma frente de esquerda contra hegemônica (Gramsci, 1966), i.e., contra o neoliberalismo na América Latina.

Por exemplo, há uma orientação utópica no feminismo, resgatada por algumas correntes, como as de cunho marxista, que sugere que tal movimento social possa vir a contribuir para remodelar princípios e estratégias, para uma esquerda humanista, libertária-- "classista" e "movimentista" therborn, 1995)--ou seja, com a flexibilidade dos movimentos sociais, o reconhecimento da luta de classe e a primazia dos e das proletárias-entendidos como os sem propriedades--em um projeto de norte revolucionário, socialista. Outras identidades, com potencialidades de constituir-se em sujeitos de movimentos, se relacionados a uma perspectiva de classe, e já sujeitos em movimentos, os migrantes, também colaboram como tema para a espacialização política do debate sobre o capitalismo hoje e a importância de resgatar uma perspectiva internacionalista.

Mas refletir, investir em uma orientação movimentista-classista, quer em partidos e sindicatos, quer em organizações da sociedade civil desafia a equação espaço/tempo em que se movem tais organizações. Vai mais alem do aqui e do agora, alem da tonica de ocupação de espaços por eleições, postos e cargos, realizações no imediato visível-o que não significa invalidar tais estrategias-mas que implica em ênfase em educação política em partidos, sindicatos e movimentos sociais ademais de diálogos entre tais formatos institucionais, no plano de combinar modificando linguagens, desses.
Se reaprumo o eixo para cultura política, caberia mais discutir propriedades e riscos de conceitos como movimentos sociais, cidadania e sociedade civil-comuns expressões também do léxico neoliberal-o que não faço nesta fala, porque alem do interesse em pontos gerais sobre o tema/eixo, tenho como agenda especifica mais estimular o debate sobre a importância de inserir a questão das migrações internacionais no debate nacional e latino americano das esquerdas.

O Neoliberalismo se vem sustentando também por investimento em uma ideologia de classe, e há que mais investir em uma contra cultura o que passa por debates conceituais e sobre praticas. Mas neste Fórum não tenho como eixo temático o debate de tais princípios. De contrabando refiro-me a outro espaço, comumente ausente dos debates sobre sociedade civil, no Brasil. A uma outra "minoria" -identidade pouco mencionada no Brasil, nos debates de esquerda, quando se lista movimentos sociais e identidades na subalternidade, como as mulheres, os negros, os jovens. Refiro-me à mobilidade das pessoas, à migração internacional, tema que requer combinação entre solidariedade, atenção aos direitos humanos, e perspectiva internacionalista.

Só por direitos humanos já se sustentaria o cuidado das esquerdas com as condições de vulnerabilidade legal e cultural, além de economica, dos/das migrantes. Por outro lado a onda de xenofobia, de intolerâncias não está restrita a países capitalistas cêntricos. Entre os alvos de ataques neo nazistas, junto com os negros, os nordestinos, os homossexuais, também tais grupos ameaçam os migrantes. Recém se inaugura uma página na internet denominada "Página do Nacional Socialismo Brasileiro" que abre com a suástica. Há que cuidar com a repressão explicita ou o silenciamento sobre/do outro/da outra na exclusão nos esforços por movimentos sociais que singularizam identidades. A potencialidade das redes entre movimentos, partidos, sindicatos para uma frente contra o neoliberalismo pede tal aprendizagem, o enredar-se por pontes.
Migrações internacionais é também tema que pede reflexão sobre potencialidades criticas da circulação transnacional à espacialização do capitalismo, sua associação e desafio ao imperialismo, à ordem do Império-expressão de Michael Hardt e Antonio Negri (2000), autores que insistem que há nuanças na globalização da economia e da cultura política que hoje singularizam a questão do imperialismo--não mais se trata de expansão territorial, política e econômica do domínio de um território, de uma nação sobre outras, por mais privilegiada que essa seja, como por exemplo, os EEUU na consolidação do capitalismo mundializado. Em especial hoje se trata da imposição de uma cultura política que sustenta a ordem capitalista, que se irradia globalmente mas que não necessariamente o homogeneíza. Insistem também Hardt e Negri na potencialidade de enfrentamentos ao Império a partir da construção política de um ato que se realiza aparentemente por vontades individualizadas, como considerando a intensificação da mobilidade espacial e a transmigração dos indivíduos, das multidões. Hardt e Negri consideram que as migrações teriam a virtual potencialidade de colaborar, em uma estratégia com possibilidades conflitivas contra o Império, ao sugerir a reivindicação por uma cidadania universal, "periferizar"o centro, desestabilizar o fixo, o espacializado, o considerado puro e superior, racial e etnicamente. Segundo Negri e Hardt:
"O virtual e o possível se conjugam [na mobilidade]. A virtualidade do espaço mundo constitui primeira determinação do movimento da multidão-uma virtualidade que pode vir a ser real. Espaço que pode vir a ser tranversalizado, pode vir a ser espaço de vida: circulação pode vir a ser liberdade.Em outras palavras, a multidão móvel deve adquirir uma cidadania global... Nomadismo e miscigenação podem vir a ser figuras de virtude, como praticas éticas no terreno do Império.Desde tal perspectiva o espaço objetivo da globalização capitalista se quebra. A celebração do local, nestes tempos, pode ser repressiva se se opõe à circulação, à mistura e assim reforçar os muros da nação, da etnicidade, da raça, do povo. Mas o local pode ser enriquecido, se não definido por isolamento e pureza...fronteiras são questionadas....O poder de circulação é uma determinação primeira da virtualidade da multidão, e o direito à circulação um primeiro ato ético para uma ontologia contra imperial" (Hardt e Negri, 2000:363). Em l980 registrava-se nos EEUU 2l99 22l mexicanos nos EEUU, em l998, 7 50000, ou 8% da população dos EEUU (Marmora in CNPD 2001).

De forma mais próxima, considero que o tema das migrações internacionais tem sentido também no caso brasileiro, em que pese à relativamente baixa proporção de imigrantes (menos de dois por cento da população total) e o fato de que somente a partir dos anos 85 passa o Brasil a ser uns pais de emigração. (Estima-se que cerca de um milhão e quinhentos mil brasileiros saíram do país para residir em outro, entre 1980 e 1991-Carvalho in CNPD 2001).

Não desenvolvo em profundidade, por analises empiricamente sustentadas o caso dos migrantes no Brasil, mas é importante alertar para sua relação com as modelagens de integração regional-orientadas também para a circulação do capital e o controle da circulação de pessoas.

Mas a propriedade primeira da questão das migrações internacionais prende-se ao momento de realização do capitalismo a nível global, que empresta singularidade à circulação transfronteiras de pessoas, quanto a sentidos macro políticos, envolvendo varias áreas, mesmo aquelas que apresentem, comparativamente, mais baixos indicadores de mobilidade de população.

Os modelos teóricos que relacionavam restrições à mobilidade das pessoas com a liberdade de mobilidade do capital (ver autores tais como Gaudemar, e Sassen Koob, cit in Sassen 2000), assim como os que ressaltavam desigualdades regionais combinadas (desenvolvidos entre outros por Samir Amin, cit. In Sayad 1999) que predominaram como referencias para o debate sobre migrações, na produção dos anos 70, continuam válidos, contudo o momento cobra outras considerações, como a hegemonia de setores na área da produção de bens e serviços, ou da não produção (e.g. o setor financeiro); de países e a perda progressiva de poder de barganha ou de condições para impor preço a sua força de trabalho, pelos trabalhadores, considerando o avanço de tecnologias poupadoras de mão de obra. Em tal quadro é o ser humano, se não proprietário de capital, que passa a ser o excedente. A migração assume cada vez mais, por outro lado, o caráter de peça na negociação entre Estados (ver Sassen 1999, entre outros) e elemento que não mais define posições conservadoras e liberais-em países industrializados a tendência é por uma posição ante imigração. Por outro lado vem ganhando em expressão um tipo peculiar de migração, a chamada transmigração, quando nexos mais fortes se dão entre lugares (saída, transito, chegada) e as estadas, e se destaca, sem anular outras circulações de/na classe, a mobilidade de técnicos especializados-estas se tornam cada vez mais curtas, quanto a tempo de permanência e mais que nacionalidade, orientam lealdades a interesses de firmas, daí também a denominação destes de "expatriados". Já os que migram por pressões de injustiças sociais/econômicas, os da outra classe, cada vez mais se confundem também com a figura de refugiados políticos, aumentando e se combinando nas migrações entre fronteiras e as de caráter transatlântico os que direta ou indiretamente são vitimados tanto pela economia política de guerra quanto pela economia política neoliberal. Raça é outra dimensão que empresta mais singularidade ao atual tratamento as migrações, não sendo ao azar que os chamados novos migrantes, comumente de pele escura, e de países da América Latina, África e Ásia, encontrem um grau de hostilidade mais agudo que os que 'fizeram a América', por exemplo, em períodos anteriores. Modelos de integração regional, como o Mercosul, o Grupo Andino e a Comunidade Européia são tópico relacionado a migrações, mais enfocado em trabalhos recentes, em especial em encontros de diplomatas e de técnicos responsáveis por políticas, na esfera governamental.

Não só pelo aumento da emigração de brasileiros, como pela onda de xenofobia e de 'enrijecimento' de leis sobre migração em países desenvolvidos, o que deixa os migrantes mais vulneráveis; mas também por uma certa ambigüidade e fluidez dos textos acordados em conferencias do ciclo social da ONU (e.g. o do Cairo); assim como também pelo estado do conhecimento sobre migrações internacionais no Brasil, esse é um campo que exige distintos tipos de reflexões, padece de lacunas quanto ao conhecimento, considerando que se reconfigura em tempos neoliberais e de globalização.

Em relação à mobilidade nas fronteiras, há alguns trabalhos relacionados aos brasileiros no Paraguai (onde se estima estariam mais de 300 000 brasileiros, como os da Antropóloga Márcia Spraendel e de pesquisadores relacionados aos CEM da ordem Scalabriana-cit in CNPD 2001). Também de pouca circulação entre o grande publico e daquele mais relacionado à elaboração de política, os trabalhos sobre a mobilidade entre fronteiras, no caso da região Norte (IASAE-Amazonas, relacionado à Fundação João Pinheiro tem estudo em andamento-cit. In CNPD 2001)-como o aumento da emigração de brasileiros para oSurinam e de latino americanos nos Estados da Região Norte.

Já no âmbito do Mercosul, deixa a desejar a forma como se viria equacionando direitos de trabalho, a questão social e a mobilidade internacional de trabalhadores e seus familiares. Os modelos de integração regional, como o Mercosul, são mesas de negociações sobre mobilidade de mercadorias. No caso da Comunidade Européia, estende-se a cidadania comunitária aos brancos, europeus aos migrantes documentados, os "nuevo citadini", fechando-se com medias mais férreas as fronteiras aos "extracomunitári" (Bógus e Bassanezi in CNPD 2001).

Como medida preparatória à implantação de ALCA, para evitar o aumento da circulação dos desempregados, dos pobres e mesmo da classe media, de forma pouco barulhenta, ou audível do grande publico, o Departamento de Estado dos EEUU vem estimulando a criação de uma Coordenação Sul Americana sobre as Migrações. O discurso é a retórica dos direitos humanos, impedir o trafico de pessoas entre fronteiras-o que é valido-mas se infiltra em tal retórica medidas de informatização dos espaços de fronteira, militarização dessas-em vários paises da América Latina, controle da circulação em nome da segurança nacional.
No caso do Brasil, também a forma como a mídia viria tratando o tema indica lacunas no conhecimento ou a baixa legitimidade do conhecimento orgânico e especializado. Discutem-se estrangeiros no Brasil e brasileiros no exterior, baseando-se em impressões casuística, contatos breves, via simplificações que podem colaborar para uma cultura de xenofobia ou formação de opinião sobre o fenômeno com repercussão negativa sobre os/as agentes, os/as migrantes e países envolvidos.

Por exemplo, as matérias sobre os Brasilguaios-brasileiros no Paraguai--, são criticas ao governo do Paraguai e a que ser, mas comumente omissas sobre a relação entre migração de brasileiros para aquele país e o problema da propriedade de terra no Brasil, o "coronelismo", as desigualdades sociais e a violência no campo. Passa-se pelo alto o fato de que os brasileiros naquele país viriam sendo pressionados, em muitos casos, por trabalhadores sem terra, paraguaios alem dos casos de enfrentamentos de brasileiros no Paraguai com latifundiários-muitos brasileiros também-- e o Estado. Sem a dimensão de classe, a perspectiva nacionalista iguala a direita e a esquerda no plano da defesa genérica dos nacionais.

Já quando se noticia sobre a 'importação' de trabalhadores estrangeiros, o que de fato viria ocorrendo no bojo do processo de privatização e entrada de multinacionais, recorre-se a dados de ambígua classificação, para comparações históricas, avaliações sobre tempo de estada, processo de recrutamento e justaposição ao quadro nacional-ou seja, se de fato viriam entrando estrangeiros para substituir técnicos especializados brasileiros, como os dados relacionados à concessão de vistos. Predomina uma atitude critica, considerando que os estrangeiros estariam competindo com os nacionais, "tirando os nossos trabalhos" - (expressão aliás comum na imprensa norte americana, e encontrada em revistas de entidades de classe no Brasil-in Castro e Oliveira, CNPD 2001).

Mas tal observação sobre sensacionalismos da imprensa, não obscurece o fato de que o tema, concessão de vistos para trabalho temporário para técnicos especializados e recrutados por empresas de capital estrangeiro, merece analises sistemáticas, não tanto no sentido de legitimar repressão aos estrangeiros, mas no sentido de analisar o cumprimento ou não da legislação trabalhista e fiscal nacional por parte das firmas estrangeiras. assim como a sistemática de migração de idéias e de tecnologia, ou o que deixam técnicos especializados estrangeiros, comumente transmigrantes, aqui permanecendo por pouco tempo. Face à marginalização do sistema publico de ensino superior por parte do governo, e a forte corrida, de empresas de ponta, em outros países, por atrair jovens em áreas de alta tecnologia, a questão da concessão de vistos para estrangeiros, pede também mais debate sobre globalização ou transmissão de conhecimentos.
Há que considerar que migração se realiza em sociedade de classes, em um período de hegemonia do capitalismo, e, portanto, há diversos tipos de migrantes. Muitas vezes com o interesse justo de controlar privilégios e desigualdades, no mercado, em empresas multinacionais, repito, a trabalhadores estrangeiros e nacionais, aposta-se no controle e na codificação rígida de vistos, o que pode respingar seriamente em migrantes indocumentados, de baixa qualificação, como o caso dos novos imigrantes, latino-americanos e asiáticos.

Também corporativismos se disfarçam em nacionalismos, propiciando a critica, como no caso de associações de médicos no Brasil que vêm reclamando, junto ao Ministério da Justiça, contra a entrada de médicos cubanos, sem analises sobre custos e benefícios desses profissionais para o país. Os médicos cubanos em principio algo deixam para o país, para a localidade, o que não necessariamente é o caso de um alto técnico especializado de contrato curto que vem prestar serviço a uma multinacional. A questão é uma política de migração indiscriminada, cega à diversidade de situações próprias ao momento de integração regional e expansão do desemprego e reestruturação da economia.

Mais que os migrantes, não deveriam ser as firmas, o mecanismo de fluxo de capital e de contratação de mão de obra que usam, o objeto de codificação legal? Considerando ambiências, algumas posições quando de distintos Encontros de diplomatas e altos funcionários que vem se intensificando a partir do ultimo semestre do ano passado sobre a criação de uma instancia de governabilidade das migrações internacionais no âmbito da América do Sul, sob os auspícios da Organização Internacional das Migrações (OIM)-Lima, Buenos Aires, Santiago, estando previsto outro em Santiago em abril--, assim como noticias recente veiculada por jornais, insisto que é preocupante como vem se tratando o movimento de pessoas no que se refere a controle de fronteiras, na América do Sul, em que os limites entre os discursos sobre migração, terrorismo e trafico de drogas parecem ser tênues, o que sugere que aquele que cruza as fronteiras pode vir a ser considerado a priori "um suspeito" ou um "estranho". A situação tende a se agravar com o Plano Colômbia, de ocupação das áreas colombianas perto da fronteira, por militares e armamento norte americano.

A retórica de governos sul americanos nos foros por constituir uma Coordenadoria das Migrações na América do Sul, o que vem sendo apoiado pelo Departamento de Estados dos EEUU é sobre direitos humanos, a proteção de fronteiras contra o trafico, inclusive de pessoas, mas a pratica é de controle, e as legislações latino-americanas tendem a priorizar segurança nacional. E a alquimia entre direitos unos e segurança nacional comumente é explosiva contra o humano nos direitos. (Recomendo a leitura da original e vigente Lei dos Estrangeiros do Brasil datada do período da ditadura militar, onde se ressalta que os direitos dos migrantes estão sujeitas aos interesses da segurança nacional do pais e que deu lugar a vários casos de perseguições, deportação, retirada sumaria de crianças das escolas, perdas e negações de vistos por orientações arbitrarias, o humour do funcionário de plantão-como bem registra uma literatura que no Brasil é quase que majoritariamente produzida apenas por pessoas relacionadas as pastorais, a centros com vinculações religiosas, como os centros de estudos dos irmãos e das irmãs Scalabrianas.)
Por outro lado, pelo lado da esquerda, no Brasil, ao que parece, apesar da perspectiva critica à mundialização da economia, pouca atenção vem se dando ao aumento da mobilidade de trabalhadores e ao interesse de paises como os EEUU no controle das migrações no continente, o que não se desassocia ao contrario da preparação pela implantação de ALCA.

Talvez a pratica mais local, voltada para eleições e jogos de poder territorializados, tenha em muito prejudicado o debate sobre internacionalismo proletário, solidariedade internacional e a relação entre direitos humanos e ética, nas esquerdas, como estratégias no plano das disputas internacionais. O imediatismo político eleitoral, a guerra de posições favorece localismos-o que não deve ser confundido com a necessária ênfase no local; dificulta uma aprendizagem política de lógicas movimentistas e o interesse em constituintes que não votam e melhor equacionar alianças, redes, ações internacionalistas, como friso, o investimento em educação, cultura política, em mudança de mentalidade.

Um outro vetor que está imbricado à migrações, diz respeito a que modelo de integração regional e, por aí de nação, e de América, a de cá, queremos. Não ao azar, insisto, que um dos principais interessados em 'agitar' o tema das migrações no espaço sul americanos, tem sido o Departamento de Estado dos EEUU (promotor e observador constante nas reuniões de altos funcionários da América do Sul sobre o tema), apostando que se venha investir no modelo "Puebla" ou seja, de instalação de uma Coordenadora Regional de Migrações-como a que funciona já entre México, EEUU. Canadá, Guatemala, Honduras. Nicarágua e El Salvador. Boa parte dos programas de tal Coordenadora dizem respeito a sistemas de informações, em fronteiras, treinamento de agentes de controle das migrações e sistemas de controle das migrações de transito. Ironicamente nas esquerdas indicamos ocupações de espaços simbólicos, liberdade, ocupação de espaços públicos e estes, os das fronteiras vem na calada sendo cercados, controlados.

Investem os EEUU ao estimular aparatos de controle da circulação de pessoas na América de cá, de alguma forma, na multiplicação dos muros pelo caminho, com a vantagem para os EEUU que delegaria a outros países a função de 'interromper o caminho para o Norte'.

Em suma migração, hoje, como antes, nunca foi, para os Estados, uma matéria unicamente relacionada ao fluxo de pessoas, mas uma peça para relações entre estados, o que a depender da correção de forças desses, e seus modelos de nação, pode sobrar, sim, para os indivíduos.

Há que mais sensibilizar a classe política-legislativo, sindical e partidária-para a importância do tema migrações internacionais, hoje, mesmo que comparativamente, os dados de e- de i-migraçao para o caso do Brasil fiquem aquém à series históricas de outros países, como o México. Direitos humanos, identidade de nação, relações internacionais, são outros temas que se entrelaçam com migrações, alem daqueles mais discutidos na literatura, como quadros econômicos e mercado de trabalho, ou redes de relações sociais.
Por outro lado, em particular, no plano de uma economia política critica, cabe aos partidos e organizações de esquerda e as associações de orientação humanista e por justiça social, reassumir, como já estão fazendo vários marxistas e humanistas em outras regiões, o debate sobre agencias e atores internacionais, e formas de internacionalismo entre os trabalhadores, os sem propriedade -propriedade econômica, política e cultural-, hoje, e nessas frentes de esquerda incluir o estranho outro, o estrangeiro, a estrangeira.

Vale também até os limites do sistema, o dialogo de salão, no plano de colaborar para programas e um conhecimento, pela mídia, que se oriente pelo respeito aos direitos humanos, culturais e políticos e vá em contra a possibilidade de xenofobia e discriminação.

Contudo, se de esquerda se trata, haveria que também exercer o papel de critica por respeito a direitos de uma cidadania ampliada, e analisar as relações entre cultura e política, a des e re-territorialização da nação em termos de contra hegemonia ao capitalismo e a diversificação de sujeitos de, mas na classe, o que, portanto pede mais qualificações empíricas a tipos de migrações e tipos de significados dessas para a construção de tal contra hegemonia.

Há que mais discutir, também, sobre a questão da representação das camadas minorias, de identidades na subalternidade, se a proposta é investimento em criativa cultura política de esquerda, e neste caso caberia mais discutir sobre a voz do/da migrante. Essa é voz delegada, sem explícito e prévio acerto sobre os termos de tal delegação. O imigrante e o emigrante são comumente objetos de restritiva legislação quanto a direito de participação em sindicatos e partidos, sem direito de recorrer a sentenças como a de deportação e sem conhecimento das forças político culturais do lugar a que aportam, estão à mercê da boa vontade dos movimentos de solidariedade, das organizações advocacionais e assistenciais. No caso do Brasil, o fato mais preocupa, pois ainda que se conte com serviços de assistência aos migrantes, geridos por religiosos, ou leigos ligados a uma Igreja comprometida com os pobres, com os 'estranhos', com o outro-como as pastorais e centros relacionados à ordem Scalabriana, não se dispõe de aparatos organizacionais alternativos ou uma diversificação quanto a tipo de instituições (na área de direitos humanos dos migrantes), alem de que as existentes são mais de cunho assistencial, negociando papeis, vistos, entradas, mas não necessariamente formas de estada (por pensamento e ação critica). Já os centros, associações por nacionalidade tendem a um perfil conservador quanto ao entendimento do que seria cultura. Em tais centros, antes sociedades de beneficência, é comum priorizar preservação de tradições, sem lidar com contradições que podem haver no âmbito da família ou do grupo, por conta de classe, gênero e outras referencias. De fato falta dar mais visibilidade a especificidade com que vivência a mulher a migração e a associação dessa com relações sociais de gênero. Também a vulnerabilidade da criança migrante, o abuso do trabalho infantil, é pouco focalizada entre nós. Ou seja, trabalha-se com uma identidade em si imposta, naturalizada, e que não anula outras, ainda que aquela a sufoque. O migrante é parte de distintas historias de vida, filiações de classe-como posição e como projeto; enquadramento étnico racial, de gênero e de geração. De fato, no tratamento bem intencionado e importante da chamada 'sociedade civil' sobre direitos humanos dos migrantes, tende-se a um trabalho mais assistencial e se costuma simplificar, quando não marginalizar, questões generacionais, de gênero, de cidadania cultural e política e que relacionem o ser com o dever ser, ou seja, orientações políticas quanto a projetos.

Já se conta em outros paises e relacionadas a distintas nacionalidades, com movimentos de e pelos migrantes, que enfrentam a onda conservadora ante migrante das potencias hegemônicas no Império. Nos EEUU em que pese o fato de que o organismo que cuida de migrações, o INS tenha grande poder, inclusive se fogo-dispondo hoje de um capital em armas superiores a FBI e vários campos de detenção, os migrantes, em especial os Latinos, as Latinas vem se organizando e conseguindo direitos no plano trabalhista, inclusive o de participação em sindicatos. Na revista Times de 22 de janeiro um dos principais artigos tem o sugestivo titulo "Ilegais, mas lutando por direitos" em que se documenta lutas de grupos de migrantes por direitos no trabalho e pelo direito a ocupar o espaço de sindicalização. Os sindicatos norte americanos hoje, menos por orientação de esquerda, mas até por oportunismo pelo aumento do setor serviços, vem priorizando a luta dos migrantes indocumentados ao direito ao trabalho e sua cobertura legal - aquela revista se refere a uma visão de "demografia pratica" pela diminuição dos sindicalizados-só no setor serviços são cinco a seis milhões de trabalhadores indocumentados. Mas por outro lado as autoridades migratórias têm aumentado as medidas de deportação de estrangeiros.

Cada migrante que se enfrenta a deportação deveria ser adotado pelas organizações de direitos humanos, pelos sindicatos como questão de principio pelo direito a mobilidade, por reconhecimento que a migração se faz na classe e por resposta a globalização do capital.

A questão migratória hoje assume uma nova perfilhação, quando a combinação entre o local e o global, a territorialidade e o transnacional. Exige uma mais complexa perspectiva internacionalista, antiimperialista, mas não necessariamente localista provinciana ou organizada por razão dicotômica, ou seja, apenas restrita à economia, o lugar do migrante na produção de bens, mercadorias e riqueza.

O/a estrangeiro/a pertence, vive não somente a experiência imediata do estar traz consigo uma história que não é passado, mas rica em interações sociais, é processo. Muitas vezes a pátria de referencia, dos antepassados é uma pátria idealizada, um outro, um terceiro lugar. Tal ambivalência de estar, ser, projetar-se, por combinações ou separações entre lugares distintos, empresta certa potencialidade de "cidadania universal" (a que se referem, entre outros Hardt e Negri, para defender a potencialidade de sujeito de subversão do migrante, e em outra linha, Marmora, com ênfase na cidadania comunitária, enfatizando direito a ser incluído entre os beneficiários de direitos humanos).

Cidadania essa, de difícil percepção por organizações que, repito, ainda que bem intencionadas, estão mais orientadas para a integração, a adaptação, o aceite, a inserção, no mercado de trabalho, por exemplo, ou orientadas para garantir a satisfação de necessidades imediatas comuns.

São muitos os planos a requererem cuidado em se tratando de tal estranho outro, o migrante, aliás, um outro que a depender do ângulo de perspectiva, é o mesmo, o compatriota.

Em síntese, alinho, sem muito aprofundamento, algumas questões para as esquerdas tendo como perspectiva o necessário investimento em um fazer política que de espaço a investimentos em uma cultura política que mais problematize o conceito de classe, o reconhecimento da multiplicidade de sujeitos nesta, insistindo em teses já expostas sobre o caso dos migrantes:

l) Aos preocupados com assistência aos direitos humanos dos/das migrantes: Como garantir vozes, colaborar na tradução sem 'traição', sem impor textos, bem intencionados, mas textos alheios? E como ampliar contatos transnacionais, investir em redes, não apenas de solidariedade, mas com perspectiva critica internacionalista, em que sejam os migrantes, atores/atrizes de projeto de classe? Como relacionar migrantes, mais alem da referencia às suas nacionalidades, enfocando nações desterritorializadas que se materializam em corpos, cabeças, espiritualidades que circulam em um mundo cada vez mais coercitivo, se de justiça social se trata?

II) Aos intelectuais, à academia engajada, coloca-se a questão sobre o tipo de conhecimento sobre migração que se vem produzindo, idealizando sujeitos sem terra, sem fazer terra? Para quem? Para que? Com que compromisso histórico em termo de nação, de humanidades? De fato o debate sobre migração, seu sentido emblemático, por liberdades-do trabalho, de pessoas, do circulares versos a tirania do capital-ultrapassa a questão do migrante, seu desejo por integrar-se e não necessariamente questionar, ainda que sua mobilidade seja em si questionadora. Ou seja, não idealizo o migrante, como não a que idealizar a mulher e o negro, como sujeitos de projetos contra o neoliberalismo. Mas ressaltam a potencialidade da raça, do gênero, da liberdade de opção sexual, da juventude, e da mobilidade das pessoas e o vir a ser, ou a produção de sujeitos políticos em tais ambiências temáticas para novos conhecimentos e praticas políticas. Como em tal conhecimento se relaciona floresta a árvores, ou se aborda o debate ontológico, da contradição entre necessidades individuais, necessidades sociais e necessidade de mudanças sociais?

iii) Para ativistas, a questão da representação, no caso dos/das migrantes, por outros, outras agencias, movimentos sociais, por exemplo. A preocupação internacionalista se impõe quando se acumulam, no plano da comunidade das Nações Unidas, leis, convenções-como a dos direitos dos trabalhadores migrantes e seus familiares-arquivadas, pela falta de adesão dos paises membros. Aprovada em Assembléia Geral das Nações Unidas, em l990, a Convenção Internacional sobre Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e seus Familiares até o presente não foi ratificada por mais de vinte paises, o que a torna sem utilidade legal. Sindicatos e confederações de trabalhadores, em especial no Brasil, pouco se mobilizaram a favor de tal instrumento de direitos humanos.

Urge também um conhecimento critico, de monitoria de serviços, de estudos de praticas na prestação ou não de serviços e de exploração de formas de qualidade de vida, contra estereótipos, estigmas e preconceitos contra o outro, o estranho/a estranha.

iv) No plano político oficial mais liberal, dentro dos parâmetros do sistema, há também todo um labor a ser desenvolvido quanto a metas mais imediatas, de assistência. Importante tarefa, pois rotinas burocráticas afetam a cotidianidade dos indivíduos, como um papel, um tramite, uma licença, um interprete. A lei sobre os estrangeiros data do período da ditadura militar e mesmo que venha sendo complementada por outras mais flexíveis, e recentemente, graças aos trabalhos das pastorais e dos Scalabrianos não seja acionada, pode legitimar arbítrios, ações repressivas-proposições de substitutos da Lei dos Estrangeiros dorme no Congresso faz mais de l0 anos.

Por outro lado, ainda no plano da representação parlamentar progressista, a que considerar, que cada vez mais relações entre estados orientam o uso de políticas sobre indivíduos, sua circulação e estada, e são decididas em outras rubricas, como na repressão ao trafico de drogas, pela segurança de fronteiras ou por interesses de conquista.

A tais e outros desafios soma-se o necessário investimento na área de formação de opinião, via mídia, educação formal e imprensa alternativa. A imigração não é tema separado do tema emigração, assim como identidade e alteridade se combinam dialeticamente em relação não só ao migrante.

Em tempos em que o Estado cada vez mais se separa da nação, a migração, sublinha-se, não é tema que se resume a um movimento de população- "são classes em movimento" (Francisco Oliveira sobre o conceito de população em Marx)--, o que também a diferencia do movimento de mercadorias. Por outro lado o direito de circular se relaciona também ao direito de ficar.

Abdelmalek Sayad , sociólogo argelino que residiu na França, autor de vários trabalhos sobre migrantes, tendo colaborado com Pierre Bourdieu em distintos estudos, advertia sobre os nexos entre emigração e imigração, o fato de que muitos países podem ser ao mesmo tempo países de emigração de seus cidadãos e países de imigração para outros cidadãos. Também observou em artigo com o sugestivo titulo "O Retorno como Produto do Pensamento de Estado" que o "Estado se pensa ao pensar a imigração" e
"Pensar a imigração ou a emigração é pensar o Estado. É o Estado que se pensa a si mesmo ao pensar a imigração ou a emigração e, na medida em que não tem consciência que, assim fazendo pensa-se a si mesmo, termina por se enunciar naquilo que tem de mais essencial e, ao mesmo tempo, enunciar da maneira mais evidente as regras de seu funcionamento e revelar as bases de sua instituição. Se isso é manifesto no caso das migrações internacionais, pois tudo se joga através dessa linha de separação -em si mesma mínima, mas cujos efeitos são de uma importância capital-que é a fronteira entre o nacional e o não nacional, distinção que está no principio mesmo da constituição do Estado Nacional, de" Estado-Naçao "(Sayad, 2000: 20)".

De que Estado se trata? Estado de Segurança nacional, de participação ampliada, de respeito a direitos humanos, de globalização segundo interesses do grande capital, de responsabilidade social internacional, de cidadania restritiva ancorada em jus sanguinis ou naturalizada, ou de cidadania ampliada no humano, redefinindo dimensão espacial do jus solis, quando ao invés do termo migrante ganha sentido o de cidadão por adoção ou opção. Estado em modelos de integração por zonas de livre comercio ou por zonas de livre circulação, em projeto latino americano por se construir na relação entre povos; Nações sufocadas pelo Estado, ou Estado-Naçoes?

Em um mundo globalizado pelo capital, qual a potencialidade da migração para um internacionalismo critico ao capital?

De fato o desafio maior, para os humanistas, para os socialistas, para os de esquerda não se resume, ainda que seja necessário, à construção de redes de solidariedade, mas o investimento na potencialidade de um movimento globalizado dos sem propriedade econômica, política e cultural

Referencias

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Castro, Mary Garcia (1997) "Feminismos e Feminismos na América Latina. Reflexões à Esquerda" In Revista Sociedade e Estado. Vol. 12, n 2 (julho-dezembro),p309-326
CNPD --Comissao Nacional de Populacao e Desenvolvimento- Seminario Internacional de Migtracodes Internacionais- Brasil 2000- realizado em dezembro de 2000 (textos de vinte e cinco autores)-a ser publicado-O indice dos titulos/autores e o acesso aos textos pode ser obtido na pagina web do IPEA -Ministerio de Planejamento/Governo do Brasil (link CNPD)
Gramsci, Antonio "Cartas do Cárcere", Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro 1996
Hardt, Michael e Antonio Negri "Empire"- Havard University Press, Cambridge, 2000
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Marx, Karl y Engels, Friedrich (1848-1998), Manifesto do Partido Comunista. Coletivo Marx, Salvador
Sassen, Saskia "Guests and Aliens"The New Press, Nova Yorque, 1999
Sayad, Abdelmalek "O retorno como produto do pensamento de Estado In Revista Travessia. Revista do Migrante, numero especial sobre Abdelmalek Sayad "O Retorno, Elemento Constitutivo da Condicao do Imigrante", ano XIII, janeiro 200l
Therborn, Göran "A Crise e o Futuro do Capitalismo". In Sader, Emir y Gentili, Pablo Pós-Neoliberalismo- As Políticas Sociais e o Estado Democrático. Ed. Paz e Terra, São Paulo, l995
Time -22 de janeiro de 2001

Anexo

Sobre o cuidado conceitual quanto a movimentos sociais, cidadania e sociedade civil

Parto da tese de que os chamados novos sujeitos, os movimentos sociais relacionados a identidades na classe, como os das mulheres, dos negros, dos indígenas, dos jovens, dos homossexuais e, em outros paises os de migrantes, como os de Latinos/as nos EEUU têm potencialidades criativas para fazer frente ao ideário politico-cultural do neoliberalismo. Ou seja, na critica implícita em linguagens referidas a outras subordinações, assimetrias de poder, como os pautados na raça, no gênero, na geração e na orientação sexual, a economicismos, movimentos sociais de apelo identitário indiretamente colaboram a que se considere o neoliberalismo não somente como uma forma de organização, uma etapa do capitalismo, expressão de tempos de globalização desse.

Tais movimentos, em principio sugerem a "a importância da cultura, da micro política, orientado-se para o resgate de sujeitos múltiplos no projeto de construção de outra sociedade" -mas nada, primeira provocação, em si, sustenta que tais movimentos sociais-os das mulheres, dos negros e outros-implicam em um projeto critico ao capitalismo e, diversos movimentos podem mesmo operacionalizar de maneira diversa o que seria o projeto em longo prazo, em plano macro social.

Mas, enfatizo, tais movimentos sugerem que se deveria considerar o capitalismo globalizado e o Neoliberalismo não somente como etapas da economia capitalista, formas de organização da produção de bens, mas também um ethos cultural, ou como defende Bourdieu em artigo no Le Monde Diplomatique (de março de 1998), ao se referir à "essência do Neoliberalismo", como "um programa de destruição das estruturas coletivas capazes de por obstáculos à lógica do mercado puro". Fragiliza-se, no Neoliberalismo, a idéia de nação, a solidariedade social no trabalho, pela individualização dos salários e das carreiras em função de competências individuais, e se quebra a solidariedade comunal, sob a dinâmica da competitividade e a recorrência a "várias populações para o capital" (conceito marxista). Por outro lado o medo ao desemprego, os dispositivos de precarização que resultam em generalizar a insegurança legitimariam uma ordem econômica que se apresenta como o reino da liberdade e se realiza via a "violência estrutural do desemprego" (Bourdieu 1998), por competividades entre os trabalhadores, por segmentações.
Cada movimento social trabalha com materialidades de relações sociais, histórias de opressões e linguagens de subversão próprias, esta é uma de suas riquezas e também um desafio, como defender identidades, reconhecer alteridades, fazer pontes entre movimentos.

Há uma orientação utópica no feminismo, resgatada por algumas correntes, como as de cunho marxista, que sugere que tal movimento social possa vir a contribuir para remodelar princípios e estratégias, para uma esquerda humanista, libertária-- "classista" e "movimentista" therborn, 1995)--ou seja, com a flexibilidade dos movimentos sociais, o reconhecimento da luta de classe e a primazia dos e das proletárias-entendidos como os sem propriedades--em um projeto de norte revolucionário, socialista (1). O mesmo se aplica, por códigos próprios, a tendências no movimento negro e em outros.

Contudo se cada movimento se ancora em materialidades, vivencias, reações a violências singulares que possibilitam também linguagens de rebelião criativas, próprias, por outro lado muito á também que investir nos nexos, nas redes, na frente entre movimentos sociais, partidos, sindicatos de corte classista.
É quando se reveste em impressionante atualidade a insistência na tônica do Manifesto Comunista pela unidade e alianças entre forças de potencial antagônico ao capitalismo, mas reconhecendo heterogeneidades e nestas, friso, os conflitos entre iguais.

A insistência na união de forças variadas, nas alianças entre movimentos, no norte de construção do projeto comunista e a ênfase materializada no grito final, "proletários de todos os países uni-vos", é emblemática da tradição socialista pela solidariedade e internacionalismo proletário e seriam vetores a sinalizar também a importância de reflexão e pratica que melhor contemple o papel da cultura, ou seja, de uma cultura da classe dos sem propriedade, ou dos proprietários de sua força de trabalho-cultura em construção-e da solidariedade internacional, na classe.

Por outro lado, fortalece-se uma outra cultura, de uma outra classe, a cultura do Neoliberalismo-cultura que também vem apelando para o léxico de cidadania, de investimento em identidades em si, identidades naturalizadas-formas que, por exemplo, raça e gênero são tratados em uma perspectiva capitalistas, perspectiva que em sua versão liberal, quando muito avança por direitos limitados. Não é ao azar que os republicanos nos EEUU indiquem, apelem para cotas, chamando para a administração do executivo, alguns negros e negros, alguns Latinos, algumas mulheres, alguns gays-segmentando, particularizando identidades.
Na cultura neoliberal, alem da segmentação recorre-se ao principio de fim da história, ou de eterno presente. Mas haveria também que admitir que entre nós, que em organizações da esquerda da América Latina, indiretamente se contribui há muito para o ethos de fim da historia, ou melhor, de não história, ao se circunscrever à luta política de cunho eleitoral, e deixar de lado a preocupação Gramsciana com a educação político cultural revolucionária, de largo prazo, em favor de uma estratégia objetivista. Por tal perspectiva, as classes se fariam nas relações capitais e trabalho, e não na mediação de diversas relações sociais e por modelação político cultural e ideológica-área em que vem mais investindo o capitalismo contemporâneo, via globalização da cultura e ênfase em comunicações.

O reconhecimento da potencialidade de linguagens diversas, de movimentos sociais, da contribuição de movimentos sociais, não necessariamente se confunde com o ideário de autores deslumbrados com 'políticas de identidade' e 'democracia radical' ou que reivindicam a morte dos partidos e sindicatos de esquerda, em defesa da multiplicação e fragmentação de movimentos sociais-postura válida no plano de que são muitos os sistemas de opressão-mas de valor discutível em norte de projeto revolucionário-contra hegemonias e por outra sociedade. Norte que pede a combinação de perspectiva universalista, sensibilidade à diversidade, e acento ou opção no fortalecimento ou re-modelação de organizações e partidos dos proletários, das proletárias, na classe. (Para defesa de ' políticas de identidade' e 'democracia radical' ou multiplicação de focos de criticas, em plano de identidades, ver, entre outros, trabalhos recentes de Laclau, Mouffe y Aeronovitz, assim como crítica, em Hobsbawn, 1995). Advogamos que a chamada para a multiplicidade de sujeitos para-revolucionarios não necessariamente é incompatível com a defesa da primazia revolucionaria dos proletários e das proletárias. Mas como aqueles autores (Sader, 1998, Amin, 1997, Boron 1997 e Therborn 1997), também considero que é urgente o debate sobre as diferenças históricas quanto à composição de classe, do proletariado, e quanto a relações entre partidos, órgãos de classe e movimentos sociais.

Insisto em uma leitura que sinaliza para a necessidade de renovação, por uma esquerda humanista, libertaria, "classista e movimentista'", segundo Therborn (1995), ou seja, com a flexibilidade dos movimentos sociais, mas com o firme reconhecimento da ambiência de luta de classe e nesta, a primazia dos proletários e das proletárias em um projeto de norte revolucionário, socialista. . Goran Therborn ressalta entre interesses e forças especificas para um projeto pós Neoliberal, a ênfase na "classe operária e nas classes populares em um sentido amplo". A atenção ao popular e aos 'novos sujeitos'( ou seja aqueles não contemplados e nas teorias clássicas' --In Sader 1988) não necessariamente se confunde com o ideário de autores deslumbrados com 'políticas de identidade' e 'democracia radical' ou que reivindicam a morte dos partidos e sindicatos de esquerda, em defesa da multiplicação e fragmentação de movimentos sociais-postura válida no plano de que são muitos os sistemas de opressão-mas de valor discutível em norte de projeto revolucionário-contra hegemonias e por outra sociedade. Norte que pede a combinação de perspectiva universalista, sensibilidade `a diversidade, e acento ou opção no fortalecimento ou re-modelação de organizações e partidos dos proletários, das proletárias, na classe.

Advogo, como outros autores, que a chamada para a multiplicidade de sujeitos para-revolucionarios não necessariamente é incompatível com a defesa da primazia revolucionaria dos proletários e das proletárias. Mas é urgente o debate sobre as diferenças históricas quanto à composição de classe, do proletariado, e quanto a relações entre partidos, órgãos de classe e movimentos sociais. O termo proletário, proletária é utilizado, na minha leitura, no seu sentido léxico original, i.e., aqueles e aquelas que não têm outra riqueza, outra propriedade que não a sua prole, (a sua força de trabalho)-a classe dos e das sem propriedades-aqueles e aquelas com ou sem trabalho, sem terra, sem teto, sem direito a cidadania cultural e nacional como os e as indígenas e os e as imigrantes, entre outros.

A noção de esquerda do que é e como se realiza o Neoliberalismo na América Latina pode permitir ou bloquear a combinação em alianças na classe, de movimento social, partido, sindicato e agremiações autônomas, ou movimentos que reivindicam identidades e contra identidades (Castro 1997b), questionando também cultura e micro políticas, por resgate de um individualismo não narcisista, mas libertário (ver Ridenti 1998). Por exemplo, a ênfase na auto estima, universo simbólico e narrativas da ancestralidade entre os movimentos negro e indígena, bem como a força de nichos de cidadania cultural, da performática dos espetáculos, de la rumba, entre setores populares, e a resignificação de estereótipos negativos sobre as mulheres por elas, valorando a ética do cuidado individualizado com o outro, são todos processos que podem ser ou não antagônicos à lógicas do mercado globalizado, o consumo uniformizado, imposto, de classe, do capitalismo e de sua versão Neoliberal. Contudo nos programas de partidos e sindicatos de esquerda tais dimensões são consideradas como no plano da subjetividade, ou categorias sociais e culturais, o que implicaria investimento de largo prazo e não necessariamente táticas de enfrentamento direto e público, contra o capital. Por tanto não seriam enfatizadas em una plataformas de esquerda, de critica ao Neoliberalismo.

Enquanto isto, os meios de comunicação e as organizações de apelo ao consumo capitalista se preocupam em mobilizar desejos e símbolos, apelando para a individualização e o espetáculo.

É voz comum a urgência de forjar alianças e a definição de parâmetros mínimos para uma frente contra o capitalismo global, Neoliberal. Mas há divergências quanto a tais parâmetros, componentes e os sujeitos sociais impulsores de tal frente. Por exemplo, Bourdieu (1998), desde a Europa, enfatiza o caráter liberal de tal frente e o acento em defesa de um Estado de bem estar social que aglutinaria todas as forças na defesa da democracia, sem qualificá-la. Também a autora e destacada ativista inglesa, Wainwright (1998), ao delinear " uma resposta ao Neoliberalismo", analisa criticamente os movimentos sociais na Europa, a tendência antimarxista de muitos, assim como as "inovações" produzidas por movimentos que se organizaram "em defesa da justiça social" na Europa Ocidental, assumindo que tais experiências indicam a importância da "dimensão cooperativa social" para aquela resposta, apostando, por outro lado nos limites do capitalismo por suas próprias contradições. Para Wainwright (1998:143) "se o resultado irá sempre e em qualquer lugar chamar-se 'socialismo' e uma questão em aberto".

Outros autores, desde a América Latina, como Borón (1995) e Sader (1998), ao tempo que também se alinham à proposta de frente regional e internacional contra o Neoliberalismo, insistem na tônica de forças de esquerda, e que estas se definam prioritariamente por sua defesa de um projeto socialista, por investimentos na construção de outra sociedade. Não se trataria, portanto de dar 'cara humana' ao capitalismo, mas de investir na sua superação, o que, lembrando Gramsci, implica também admitir momento de enfrentamento violento, mas um tempo razoável de costurar uma sociedade civil, uma contra hegemonia ao capital, contra, principalmente, a hegemonia em dominação, que, nos tempos de Gramsci seria o fascismo e hoje o capitalismo global e Neoliberal.

.Os movimentos sociais podem tanto ser loci de defesa de grupos específicos e restringir-se a direitos desses no capitalismo, quanto combinar esse foco com a preocupação pela emancipação da humanidade dos explorados, dos oprimidos, dos sem propriedade. Não considero assim grande limitação, o risco da fragmentação, da multiplicação de lugares de luta, ao contrário. A meu juízo o risco seria o positivismo de muitos movimentos, na reificação do social, ou a incapacidade de lidar dialeticamente com o universal diversificado, tendendo a identidades fixas, auto contidas, que levam inclusive a disputas entre movimentos-em especial quando há fundos de agencias internacionais em jogo (e como essas bem jogam com tal motor da historia hoje, da historia de consolidação do pensamento único, de classe!). Hoje um dos maiores estímulos ao mundo das organizações não governamentais (ONGs), incluindo organizações de base comunitária (OBCs) e movimentos sociais (MSs) são as agencias internacionais do capitalismo, como o Banco Mundial, que há muito também investem em redes e em perspectiva de internacionalismo de classe. Mas este é um desafio das esquerdas e não uma rotulação a priori de tais organizações não governamentais como necessariamente conservadoras.

A ideologia de políticas para identidades, frisando tão somente em cidadania, a cidadania civil, por direitos no direito formal, é atraente, pode coopta inclusive um tipo de gauche, que passa orientar-se quando muito para "humanizar o capitalismo" (Sade 1998), por programas de cunho social pontuais e apostando na sociedade civil e na cidadania, não na perspectiva Gramsciana de criação de um bloque de contra hegemonia de forças variadas por um norte contra o mercado e por investir na educação política critica, na qual a reivindicação de "direitos a ter direitos" (Hanna Arendt, cit. In Castro 1998) contaria também como exercício de auto reconhecimento como classe ou coletivo com força política de pressão. Não, a sociedade civil para os liberais implica em setorializações do social, "particularismos militantes" (expressão do sociólogo marxista Raymond Williams, fundador da escola de estudos culturais de Birminghton, cit In Castro 1997b).

Por outro lado há que cuidar para que a ênfase na cotidianeidade micro seja auto referida, sem nexos com a economia política, dando as costas à economia política, `as suas perversidades estruturais. Samin Amim em "O Ar dos Tempos" (l998) advoga uma releitura do Manifesto, por ênfase na cultura, hoje, como estruturador das relações da modernidade, dimensão básica a sua reprodução como ao seu combate, mas denuncia a apologia a estratégias culturalistas individualizadas, 'ghetoizadas', como os localismos desencaixados, os 'comunerismos' com tendências fundamentalistas, que também se encontram em formulações até dos Verdes e de autores pós-modernos, europeus, que mesmo sem tal intenção, seriam de fácil recuperação por estratégia Neoliberal, quando a diversidade se metamorfoseia em desigualdade, em fragmentação e precariedade.

3. Perspectiva Programática para uma Frente de Esquerda contra o Neoliberalismo

Defender a contribuição de diferentes movimentos sociais e da questão dos migrantes contra o capitalismo, em sua modelagem contemporânea, neoliberal, por exemplo, implica questões sobre a estrutura das esquerdas, e não somente a critica de cada movimento social per si, ou dos trabalhadores estrangeiros, como outros a competirem com os trabalhadores nativos por um emprego-ou seja, separar o debate sobre nacionalidade do debate sobre classe.

De fato não da para tratar os movimentos sociais como conjuntos naturalizados, assim há feminismos e feminismos, e nem todas as correntes desse movimento seriam hoje parceiros à esquerda. Também a categorização de migrante não qualifica políticamente indivíduos, nem conjuntos destes. Ao contrario, o voto Latino nos EEUU tende a ser democrata, o que não diz muito considerando a tendência conservadora de tal tendência, enquanto em estados como na Florida, tende a ser republicano pelo peso da migração cubana, anti-revolucionaria. Mas por outro lado vem crescendo uma corrente nas artes e na literatura, de fronteiras, de Latinos e Latinos considerados critica ao imperialismo, que entrelaça apelo por cidadania cultural, o transito entre culturas, questionando pós-colonialismos com perspectiva critica ao Império.

Destaco questões para uma perspectiva programática de esquerda:

- A urgência do fortalecimento de um bloco contra a hegemonia do neo-liberalismo, integrando movimentos sociais com orientação de esquerda a nível internacional, revisitando princípios do internacionalismo proletário, o que implica em mais cuidar das redes de relações internacionais e das unidades de relações exteriores (lugar comumente não ocupado por mulheres e que pouco se orienta para questões de gênero e de raça e etnicidade) nos partidos e sindicatos de esquerda (e.g., da corrente classista). . Se a perspectiva de tal frente pede que se revisite princípios de internacionalismo, independenmente da expressão quantitativa, é estratégica a questão da mobilidade da população, o direito a cidadania alem de fronteiras. A denuncia de legislação que cerca a possibilidade de organização dos migrantes, sua participação em sindicatos e partidos políticos.

No caso do Brasil, a lei de estrangeiros data do período da ditadura militar, tem como principio básico a questão de segurança nacional. Fere princípios elementares de direitos humanos, como o de matricular filos nas escolas-e só não tem efeitos perversos mais amplos sobre os/as estrangeiras pela ação de serviços pastorais, por ordenações religiosas como dos Escalabrianos, que alem de serviços de acompanhamentos de assistência legal, mobilizam campanas contra medidas repressivas. Em uns pais que se destaca pelo amplo numero de ONGs, existe um vazio de movimentos sociais em relação ao turismo sexual, de defesa dos direitos de cidadania de brasileiros no exterior, dos direitos de participação sindical e política dos migrantes estrangeiros no país, entre outros direitos.

- O investimento em cultura política para consolidação de frentes de movimentos sociais e identidades subalternas, - o que remete a importância de revisitar os debates Gramscianos sobre a importância do fortalecimento da sociedade civil e os debates Martianos sobre encontros entre as Américas--como a chamada de José Martí por uma América Mestiça, la América Nuestra--e chamadas de Mariátegui sobre a força revolucionaria dos povos indígenas.

De fato, se faz necessária mais atenção da esquerda latino-americana para as questões étnico-raciais e para movimentos dos Latinos e das Latinas nos EE.UU, se a perspectiva é a consolidação de uma contra hegemonia baseada em identidade de princípios à esquerda e em histórias de resistência contra, no caso, o imperialismo (3);

- Mais atenção, mais escuta (aprendizagem) e apoio às experiências locais de base comunitária e popular, aos movimentos sociais de e por mulheres, por exemplo, porém sem ingerências, assim como, mais investimento no fortalecimento das correntes feministas marxistas na América Latina, e sua comunicação, por redes transnacionais--tarefa de toda a esquerda de corte socialista. A perspectiva é que a relação entre tais correntes com um aporte que integre gênero, raça e classe, em partidos e sindicatos de esquerda, não se pauta só por princípios de justiça social, reconhecimento de discriminações específicas contra as mulheres, as pobres, as negras, as migrantes e as indígenas nas Américas--incluindo, portanto as Latinas nos EE.UU. E as latino-americanas em Centro e Sul América e no Caribe--ou por valor instrumental-- disputar votos e membros com as agencias do capitalismo internacional.

Trata-se de reconhecer que uma perspectiva feminista, por exemplo, que integre gênero, raça e classe, não implica em "um movimento social desencadeado por uma minoria em proveito dessa minoria" --crítica no Manifesto Comunista à limitação dos movimentos sociais (Marx 1998).

- Por outro lado, um projeto de renovação das esquerdas enquanto a métodos e escopo de preocupações, requer reconhecimento sobre a potencialidade revolucionária da cultura ou da contra cultura em sua crítica à economia política.

Mary Garcia Castro
Universidad de Bahía (Brasil)

 




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