O AMI... negro
As negociações sobre o Acordo Multilateral sobre
o Investimento (AMI) fracassaram. Graças à pressão
internacional dos movimentos de cidadania, o AMI não
pôde ser assinado. Nunca tantos esforços tinham
sido empreendidos pela sociedade civil para impedir os governos
de ceder diante das forças do mercado. Exposto à
luz do dia, tal um Drácula, o AMI teve que recuar. O
combate valeu a pena: pela primeira vez, um tratado de comércio
pensado para dar lucro unicamente às empresas transnacionais
foi derrotado.
A saída da França acarretou a suspensão
das discussões na OCDE, em 3 de dezembro de 1998. Mas
o caso não acabou. O governo francês e a União
Européia estimulam hoje a transferência da negociação
para a Organização Mundial do Comércio
(OMC). Estranha manobra pois a OCDE tinha sido promulgada em
1995 "fórum de negociação" do
AMI justamente porque os países do Terceiro Mundo não
a tinham aceito dentro do GATT (Acordo Geral sobre Tarifas Alfandegárias
e Comércio), que posteriormente se transformou na OMC.
O AMI na Organização Mundial do Comércio?
É a volta ao ponto de partida. Uma nova tentativa de
fazer recuarem os Direitos Sociais nos países do Norte.
Para impor aos países do Sul regras sobre os investimento
estrangeiro que os submetem ainda mais às empresas multinacionais
e aos especuladores. Paralelamente se desenrolam outras negociações
obscuras: no Fundo Monetário Internacional para a revisão
de seu estatuto no interior da Nova Parceria Econômica
Transatlântica (PET).
Mas esta transferência do AMI para a OMC pode constituir
uma oportunidade histórica para fazer brilhar à
luz do dia o verdadeiro papel de uma organização
que ameaça diretamente a democracia, para denunciar um
tratado cuja função é submeter o mundo
à lógica do lucro das empresas transnacionais.
Eis a ocasião para as cidadãs e os cidadãos
compreenderem o cenário que enganou a maioria dos responsáveis
políticos.
As regras da OMC não são inelutáveis.
Elas devem ser fundamentalmente revisadas. As mulheres e os
homens, que tanto no Norte como no Sul pagam o preço
da mundialização da economia, têm direito
de saber e têm um papel legítimo a desempenhar
nos assuntos que lhes dizem respeito.
Em direçao a um clone do AMI?
Negociado no maior segredo desde 1995 no apelidado "castelo
da Muette", sede da OCDE em Paris, o AMI respondia a uma
única preocupação: a proteção
e o tratamento privilegiado para os investidores. Em lugar de
'multilateral' a leitura do texto revelava uma abordagem totalmente
unilateral: todos os direitos para os investidores, todas as
obrigações para os Estados. Destinado a tornar-se
um tratado, o acordo deveria ter um estatuto jurídico
superior às constituições nacionais. Um
país signatário do acordo podia se retirar dele
antes de completar 5 anos, mas continuava sujeito às
suas obrigações por um prazo de 15 anos após
a notificação de sua eventual saída!
Ainda por cima, a definição de investimento era
muito ampla. Ela abrangia os recursos naturais, o setor agrícola,
as empresas de produção e de serviços,
os ativos financeiros, a propriedade intelectual e artística.
Além disso, ao impor a circulação, sem
nenhum controle, de todas as transações em todas
as bolsas do mundo, o AMI teria definitivamente arruinado qualquer
projeto visando controlar a especulação financeira.
Se o AMI tivesse sido assinado na OCDE, suas cláusulas
teriam sido impostas não somente aos governos mas também
às coletividades regionais: regiões, departamentos,
distritos. O acordo daria aos investidores o direito de apelar
para uma corte da Câmara de Comércio Internacional
(CCI) - ver mais adiante à pg. 18 - caso eles se sentissem
lesados por legislações ou por decisões
de um Estado ou de uma coletividade local, cuja lei ou regulamentação
prejudicasse seus possíveis lucros.
Enterrado na OCDE, o Drácula reaparece em outro local:
seus protagonistas tentam implantar suas cláusulas em
outras espaços para contornar os protestos e escapar
à vigilância dos movimentos sociais.
Por um lado o comissário europeu para o comércio
exterior, o thatcheriano ultra liberal sr. Leon Brittan, propõe,
sem nenhum mandato do Conselho de Ministros, um acordo de livre
comércio entre os Estados Unidos e a União Européia:
o "Novo Mercado Transatlântico "(NMT) o qual,
rejeitado pela França, reaparece no mês de maio
de 1998 com o nome de "Nova Parceria Econômica Transatlântica"(PET).
Por outro lado, um clone do AMI, o AIM, já está
em gestação na OMC, espaço que o Primeiro
Ministro francês julga mais apropriado.
O PET
Projeto de comércio livre incondicional entre a União
Européia e os Estados Unidos lançado em início
de 1998, o NMT (Novo Mercado Transatlântico) foi denunciado
já no início de maio pelo presidente Chirac e
pelo 1o ministro Jospin. Três semanas depois os srs. Clinton,
Blair, Santer e Brittan, reunidos na Cúpula de Londres
de 18 de maio de 1998, aprovam com o acordo velado da França,
um novo texto, quase idêntico ao NTM, chamado "Parceria
Econômica Transatlântica"(PET). As negociações
do PET são ainda mais opacas que as do AMI.
Trata-se de uma série de acordos, de acertos, visando
instaurar entre a União Européia e os Estados
Unidos uma área de livre-comércio, fazendo desaparecer
a curto prazo as chamadas barreiras "técnicas",
nos mais diversos domínios tais como: produtos manufaturados,
agricultura (incluindo as biotecnologias), serviços,
direitos alfandegários industriais, comércio eletrônico
global, direitos de propriedade industrial, investimentos financeiros
(ei-los aqui mais uma vez !), contratos de serviços públicos
e concorrência. Mas para melhor despolitizar o dossiê,
e na esperança de evitar uma nova reação
na opinião pública, introduziram-se uma série
de conceitos novos - normas de reconhecimento mútuo,
equivalência de funções, status-quo bilateral.
Trata-se de impor, de fato, o direito de comercialização
automática, dentro da União Européia, de
todos os produtos e serviços americanos. Mais uma vez
o político é esvaziado! Os industriais negociarão
as modalidades do acordo diretamente como os altos funcionários
dos ministérios das Finanças. Quanto às
convenções coletivas e ao direito do trabalho,
ficam particularmente ameaçados e abandonados à
mercê das empresas; a Comissão Européia
reconhece "que as regras de conduta facultativas (das empresas)
constituem um instrumento eficaz para reforçar a capacidade
dos meios empresariais de melhorar as condições
de trabalho no mundo inteiro"(sic).
O PET, como o AMI, prevê o reforço das proteções
aos investimentos no estrangeiro. Estas teriam um caráter
retroativo que possibilitaria condenar os Estados, sobretudo
alguns "países do Sul" que tenham nacionalizado
empresas européias ou americanas.
Tratamento dado a os investimentos: os "acertos"
sobre as disciplinas
Para retirar um obstáculo importante ao PET, um compromisso
sobre a questão das leis extraordinárias teve
que ser encontrado. Este compromisso prevê que a Europa
renuncie ao recurso aos grupos especiais de regulação
de divergências (os chamados painéis) da OMC, se
os americanos se abstiverem de aplicar sanções
às empresas européias. Este texto estipula igualmente
que os Estados Unidos e a Europa se porão de acordo para
banir os Estados que não respeitem os direitos de propriedade
dos investidores. Um registro internacional dos Estados transgressores
seria aberto, não a partir de uma decisão judicial
mas de uma simples denúncia.
A Europa se alinharia assim à concepção
americana segundo a qual o direito de propriedade é sagrado
e assinaria um acordo de proteção aos investimentos
que só se aplicaria aos países "terceiros"
isto é, outros que não os Estados Unidos e os
países da Europa! Trata-se de um procedimento profundamente
anti-democrático, que visa implantar os princípios
do AMI, evitando inteiramente passar pelos parlamentos nacionais
e pelo parlamento europeu. Enquanto o Sr. Strauss-Kahn declara
que o "compromisso de Londres não é um acordo
constrangedor" a Diretriz da negociação da
Comissão européia precisa textualmente: "os
acordos negociados no quadro do Parceria Econômica Transatlântica
se aplicam ao conjunto do território das partes envolvidasindependentemente
de sua estrutura constitucional, a todos os níveis de
poder e dentro das condições fixadas" (texto
aprovado pelo Conselho dos Ministros europeus em 9 de novembro
de 1998).
Mas o PET vai ainda mais longe. Sua intenção
vai muito além de um acordo para uma zona livre de comércio
total entre os Estados Unidos e a Europa. Trata-se, para os
dois gigantes econômicos, de se acertarem sobre as regras
a impor para o resto do mundo. No anexo 2 do projeto de programa
de ação do PET está escrito com todas as
letras: "estaremos cooperando com os trabalhos preparatórios
à reunião ministerial (da OMC) de 1999, a fim
de colocar o investimento na ordem do dia das negociações
multilaterais." Fortemente apoiado pelas empresas transnacionais
que fazem parte do Diálogo de Negócios Transatlânticos
(Transatlantic Business Dialogue -TABD) - ver explicação
mais adiante, no capítulo "Os lobbies das transnacionais
- o PET pretende se impor antes do fim de 1999, introduzindo
a "Rodada do Milênio" da OMC.
Em resumo, o AMI saído pela porta da OCDE, envereda
pelo tunel de Bruxelas para se impor à OMC.
A OMC, mais democràtica que a OCDE?
Muitas idéias falsas circulam sobre a OMC. Esta organização
é antes de tudo hermética. Suas sessões
se desenrolam a portas fechadas. Os textos que se redigem são
confidenciais até o momento em que são assinados.
A imprensa, inclusive a imprensa especializada em economia,
se contenta em emitir comunicados e lacônicos resumos
oficiais. Em matéria de organização multilateral,
ela é uma instância hermética sujeita a
enormes pressões por parte dos interesses econômicos
dominantes. Na OMC não existem representantes de sindicatos,
nem de consumidores, nem de cidadãos.
Indiretamente por meio da regulamentação das
transações comerciais, a OMC se imiscui em quase
todos os campos da vida política, econômica e social
dos países membros: a começar pela taxa de inseticida
DDT aceitável nos legumes até a presença
de organismos geneticamente manipulados (OGM) nos nossos pratos
de comida, passando pelo pelo futuro dos serviços públicos...,
as regras e os vereditos da OMC ditam os rumos dos negócios
do mundo.
A OMC inclui hoje 139 países. A Assembléia ministerial,
em teoria a instância suprema, composta pelos ministros
das finanças dos países membros, tem obrigação
de se reunir somente a cada dois anos. Nesse ínterim,
os tecnocratas tratam dos assuntos mais rotineiros. Eles não
prestam contas aos parlamentos nacionais, que não são
nem mesmo informados do teor das negociações em
andamento. Em compensação esses tecnocratas são
fiscalizados pelos emissários dos atores econômicos
mais poderosos. Assim, a Câmara de Comércio Internacional,
na sua brochura de apresentação se vangloria de
"exercer uma influência sem igual sobre as negociações
da OMC".
Os assuntos os mais sensíveis são tratados por
ocasião de reuniões "informais", convocadas
pelo Sr. Renato Ruggiero, diretor da OMC até maio de
1999. Os países do Sul não são nem mesmo
convidados. Quando muito alguns deles são arbitrariamente
selecionados para dar aos países em desenvolvimento uma
aparência de representação. Na realidade
é a "QUAD" - Estados Unidos, Canadá,
União Européia, Japão - que fixa tanto
o conteúdo como o calendário das negociações.
Os tecnocratas - "embaixadores" - na OMC são
nomeados pelos ministros das finanças e do comércio
exterior de seus respectivos países, que não se
sentem para isso na obrigação de consultar as
populações e seus representantes!
Quanto aos países europeus, como estariam eles honrando
suas novas promessas de transparência e de consideração
dos interesses dos países do Sul? Lionel Jospin tinha
dito claramente: é o Comissário do comércio
exterior que deve negociar, em nome dos Quinze da União
Européia.
Como é possível que assembléias eleitas
possam abandonar parcelas inteiros de suas prerrogativas, frequentemente
sem nem mesmo ter consciência do que fazem? Para compreender
isso é preciso voltar ao contexto das últimas
negociações do GATT (Acordo Geral sobre Comércio
e Tarifas), aquelas da 8a rodada, a mais longa e a mais ambiciosa
de todas as negociações multilaterais sobre comércio
já realizadas. Verdadeira novela em capítulos,
durando mais de sete anos, ela acabou por virar manchete dos
jornais: "GATT, ruptura das negociações...
suspensão das negociações..." Mas
ninguém conhecia nem o conteúdo nem a encenação.
Fora a parte que se referia à agricultura, motivo de
um 'braço de ferro' entre os Estados Unidos e a Europa
muito noticiado pelos meios de comunicação, havia
um manto de silêncio sobre o que se negociava... Na sede
do GATT em Genebra ou por ocasião das sessões
de negociações em Bruxelas, Washington ou Chicago,
elaboravam-se regrasque iriam afetar todos os aspectos da vida
social e econômica dos países membros.
A rodad do Uruguai, o grande virada!
Em setembro de 1986, a convite dos americanos ao tempo da administração
Reagan, todos os países membros do GATT se encontraram
em Punta del Este no Uruguai. Foi o lançamento da 8a
rodada. Tratava-se de fato de uma reelaboração
total dos acordos originais. Quatro novos setores, até
então prerrogativas nacionais, entraram para a órbita
do GATT:
A Agricultura, setor considerado como vital e tradicionalmente
objeto de medidas protecionistas teve que se dobrar progressivamente
ante a nova ordem do comércio internacional.
Os Serviços - seguros, transportes, construção,
turismo, comunicações (imprensa, setor audiovisual
e telecomunicações), finanças e bancos,
e até educação e saúde cairam também
sob a autoridade do GATT.
Os investimentos deveriam igualmente ser desregulamentados
. As "medidas relativas aos investimentos comerciais"
(TRIMS) previam a interdição de recusar os investimentos
ou a compra de empresas nacionais e seu patrimônio por
empresas estrangeiras.
A "propriedade intelectual" (TRIPS) - direitos de
autor, licenças, brevês industriais, marcas e patentes...
- a partir de então extensiva às espécies
vegetais e animais geneticamente manipuladas e aos "processos"
biológicos e partes do corpo humano; tudo passa a ser
objeto de patentes , e consequentemente aparece o direito de
cobrar "royalties" sobre cada geração
futura de seres vivos geneticamente manipulados .
. Os "Funcionamentos do Sistema do Gatt" (FOGS) arrematam
esta arquitetura com um arsenal de "represálias
cruzadas" contra os países que venham a infringir
as regras. Os países "delinquentes" podem ter
suas exportações boicotadas.
No meio dessa bruma, os técnicos do Gatt são
monitorados pelos oligopólios emergentes, que conseguem
confundiros responsáveis políticos, eliminando
todos os parâmetros de referência.
Desregulamentaçao: o metodo
Para forçar a abertura de setores inteiros das economias,
para garantir a aplicação de todas as cláusulas
de liberalização, a 8ª rodada define novos
critérios. Assim, os "Obstáculos Técnicos
ao Comércio"(TBT) filtram as diferentes práticas
protecionistas consideradas "discriminatórias".
Entre esses novos critérios, as normas sanitárias
e fito-sanitárias definem os parâmetros que passam
a reger as legislações nacionais. Seu país
seria contra a exposição dos alimentos a certos
tipos de radiações? Suas associações
de consumidores teriam conseguido impor normas estritas para
os resíduos de DDT nos legumes? Agora será o "Codex
Alimentarius" que fixará as taxas de resíduos
químicos ou de aditivos autorizados, bem como as regras
para as etiquetas de informação nos produtos alimentícios.
Ora, as delegações nacionais que formam o Comitê
do Codex Alimentarius são compostas em larga maioria
pelos representantes das maiores firmas agro-químicas,
farmaceuticas e veterinárias.
Quanto ao Comitê "etiquetas" do Codex, ele
renunciou provisoriamente a seu projeto de conceder um selo
de qualidade biológica que abrangesse ... os produtos
das culturas transgênicas somente devido à pressão
de uma enérgica campanha internacional
A 8a rodada do GATT prevê também um sistema de
acertos de litígios (ORD) que permite condenar os países
que não sigam ao pé da letra suas regras. Para
julgá-los, nomeia-se, caso a caso, um painel (comitê
de peritos) de três pessoas que decide em segredo e não
tem obrigação de publicar suas deliberações.
Em menos de 30 meses de vida, os veredictos da OMC já
nos impuseram, entre outros, o milho transgênico americano
ou a suspensão dos acordos preferenciais sobre a banana
entre União Européia e os países ACP (Africa
- Caribe- Pacífico) decorrentes dos acordos de Lomé.
Da mesma forma um corpo de jurados da OMC decretou a ilegalidade
da proibição européia sobre a carne de
rebanhos tratados com hormonios...
7 nos de negociaçaoes....e as supresa da OMC!
Ao findar o ciclo de negociações comerciais mais
ambicioso de toda a história, convinha dar a seus resultados
a força da lei. Desde sua criação em 1947,
o estatuto jurídico do GATT era o de um "Comitê
interino para a organização internacional do comércio".
A idéia de atrelar a assinatura da 8a rodada do GATT
à sua transformação em OMC foi um estratégia
muito hábil. A única maneira de ratificar, sob
pressão e em meio à confusão, um ato que
poucos governos teriam aceitado. Um grupo de negociadores separado
para os FOGS (Funcionamentos do Sistema do Gatt) avançou
o processo sem nada submeter aos países membros. Foi
somente em dezembro de 1993, por ocasião de uma reunião
informal, que os chefes das delegações tomaram
conhecimento dos estatutos da futura OMC: uma organização
permanente, dotada de estrutura poderosa e de um sistema impiedoso
de arbítrio das disputas.
Após mais de 7 anos de negociações, chantagens
e acertos, em 15 de dezembro de 1993, os negociadores americanos
e europeus chancelam em Genebra a "Ata final" que
institui a OMC. Em 15 de abril de 1994, a mesma ata é
assinada em Marrakech pelos ministros dos países membros.
A manobra consistiu em transformar o GATT, contrato provisório
desde 1947, em uma organização permanente com
extensos poderes: a OMC. E, com o fim de se atribuir uma legitimidade
usurpada, em 15 de maio de 1998 a 2a assembléia de ministros
da OMC festejou triunfalmente no Palácio das Nações,
sede da ONU em Genebra, seu cinquentenário - quando na
realidade ela tinha exatamente 3 anos e 6 meses de vida!
A OMC sem controle?
A OMC é um instrumento autônomo da Organização
das Nações Unidas (ONU) e portanto não
se submete a seu regulamento. Tradicionalmente, a criação
de toda nova organização internacional exige consulta
e uma coordenação com as outras agências
da ONU. Ora, por ocasião da assinatura do tratado que
instituiu a OMC (Marrakech, 15 de abril de 1994), o secretário
geral da ONU, Boutros Boutros-Ghali, foi convidado como "simples
observador"; o que provocou, aliás, um incidente
diplomático. A partir do momento em que entrou em vigor,
em janeiro de 1995, a OMC esvazia as prerrogativas das organizações
da ONU (OIT,CNUCED,OMPI...). Tudo que se refere, de longe ou
de perto, ao comércio, desde direitos autorais até
normas alimentares... passa a ser da exclusiva competência
da OMC.
Ao mesmo tempo em que escapava do controle da ONU, a OMC tomou
cuidado em assegurar "parceiros competentes" para
avaliar as políticas econômicas dos Estados. Seu
"orgão de avaliação das políticas
comerciais" é composto pela própria OMC,
pelo Banco Mundial (BM) e pelo Fundo Monetário Internacional
(FMI)!
Nestas instituições os votos têm valor
proporcional às contribuições financeiras
dos países membros: um dólar = um voto. Este modelito
fim de século da democracia, onde o FMI, o Banco Mundial
e a OMC têm um poder inigualável sobre as decisões
macro-econômicas que regem o destino dos povos, explica
porque mundialização rima com pauperização.
Ratificaçao via forceps
A OMC foi ratificada pelos parlamentos cujas constituições
o exigiam, o que não é o caso da Inglaterra por
exemplo. Os procedimentos para ratificação foram
apressados, sofreram pressões, sem que os parlamentares
pudessem tomar conhecimento dos textos para os quais davam seu
aval. Na Espanha tudo se passou em sessão urgente, noturna.
Nas Filipinas o governo obteve a maioria parlamentar por 3 votos,
enquanto centenas de milhares de pessoas, os bispos à
frente, manifestavam nas ruas de Manilha. No Congresso americano,
a corrupção entrou na jogada: o governo Clinton
comprou as vozes que lhe faltavam. Na Coréia do Sul o
Ministro da Agricultura que prometera a seu país manter
a proteção sobre o mercado nacional do arroz,
acabou pedindo demissão.
Na França, a ratificação da OMC se deu
em 15 de dezembro de 1994. Pressionados por Edouard Balladur,
Primeiro ministro de François Mitterrand (num governo
de cohabitação, onde o primeiro ministro era de
partido de oposicão ao presidente socialista) e pelo
Ministro da Economia e Finanças Alain Juppé, os
deputados só receberam o documento de 550 páginas
datilografadas uma semana antes da votação do
acordo final que instituía a OMC. Ou seja, os parlamentares
simplesmente não leram as novas "tábuas da
lei" do comércio internacional que, uma vez por
eles aprovadas, passariam a nos dominar,.
Organizaçao mundial do comercio ou organizaçao
comercial do mundo?
O Gatt conseguiu realizar simultaneamente duas façanhas:
transformar as espécies vivas e a criação
artística em mercadorias e, a pretexto de regulamentar
o comércio internacional, ingerir-se em todos os níveis
das políticas internas dos países e das regiões.
Sob pretexto da regulamentação do comércio
mundial, na realidade a OMC determinou os instrumentos de desregulamentação
das legislações essenciais: direito de trabalho,
proteção social, saúde pública,
ambiente... Á medida que esta instituição
serve de instrumento de privatização dos serviços
públicos, os cidadãos perdem seus direitos fundamentais
imprescritíveis.
Durante algum tempo enganados pelos discursos sobre a retomada
econômica, um grande número de concidadãos
nossos começam a compreender que a ideologia do crescimento
econômico esconde uma evidência. O crescimento econômico
é um fator de desigualdade e de concentração
de riquezas que hoje se alimenta da destruição
do emprego: aumento do desemprego, precarização
dos contratos de trabalho, redução dos serviços
públicos... Enquanto estes últimos são
progressivamente eliminados, instala-se um sistema de duas medidas:
os mercados da educação, da saúde... são
entregues aos interesses privados e ficam acessíveis
a uma clientela considerada "solvente" (digna de crédito),
enquanto a população menos capitalizada fica cada
vez mais desamparada.. Não lhes sobra mais do que "direitos
pobres para pessoas pobres", dentro de um lógica
humilhante de assistencialismo.
A invocação do crescimento econômico constitui
portanto um slogan útil para bloquear a aspiração
a uma repartição de riquezas mais equitável.
. Assim, o argumento da competitividade serve sempre de desculpa
para se admitir as demissões em massa , curiosamente
batizadas de "planos sociais".
Por um punhado de oligopólios
As regras impostas pelo OMC constituem na realidade uma nova
etapa de um programa paciente e metódico de desregulamentação
para impor o comércio "livre". Para tanto,
os tratados, Maastricht, ALENA, APEC ou GATT/OMC
têm
uma arquitetura semelhante. Seus objetivos são claros
: as transferências das prerrogativas dos Estados para
as burocracias internacionais.
A desregulamentação - sem que se imponha qualquer
obrigação - das mercadorias, dos serviços
e dos capitais produz um supermercado planetário com
uma concentração econômica a favor de um
punhado de oligopólios que dominam mundialmente seus
setores respectivos. A concorrência de todas as economias
e de todos os trabalhadores condena ¾ da humanidade à
precarização do trabalho e à pobreza. Centenas
de bilhões de camponeses já não têm
a capacidade de auto-suficiência. Pescadores, artesãos,
pequenos comerciantes são eliminados impiedosamente.
Os setores de serviço estão sujeitos a um enxugamento
maciço. Enquanto as fronteiras devem ser permeáveis
a todas as mercadorias, a livre circulação das
pessoas é cada vez mais restrita.
Os Investimentos Diretos no Exterior (IDE) realizados pelas
empresas transnacionais provocam uma corrida permanente às
inovações tecnológicas. E provocam um hiper-
dimensionamento das capacidades de produção.
Por outro lado, as retrações brutais e desordenadas
ocasionadas pelas fusões e pelos deslocamentos das empresas
transnacionais, conferem a estas oportunidades sem precedentes.
Elas podem permanentemente reduzir seus efetivos e se instalar
nas regiões onde os salários são baixos.
A miragem da exportação cria uma situação
permanente de oferta de excedentes e uma pressão nos
custos de produção, que atinge primeiramente os
salários.
Entre 1995 e 1996, 73% dos IDE foram exclusivamente consagrados
às fusões e à recompra de empresas (Relatório
sobre investimento no mundo - CNUCED 1996). Esses investimentos
aceleram as concentrações e a emergência
de situações de monopólio. Na esmagadora
maioria dos casos, essas aquisições e fusões
são acompanhadas por demissões em massa ou pela
falência dos concorrentes.
Demissões em massa ocorrem nos países da OCDE.
As 200 maiores empresas transnacionais (25% das atividades econômicas
mundiais) não fornecem mais do que 0,75% de empregos
no planeta.(Herald Tribune - abril de 1995).
A intensificação da concorrência internacional
que leva todos os trabalhadores do mundo a uma competição
forçada, implica na quase escravidão dos trabalhadores
dos países onde os salários não ultrapassam
205 dolares por mês. A vantagem "comparativa",
com a qual jogam os patrões das transnacionais, favorece
os países que propõem condições
muito "atraentes" para o capital, impondo aos trabalhadores
condições lamentáveis. Mais de 700 "áreas
de livre comércio" oferecem aos investidores estrangeiros
os privilégios de extraterritorialidade, enquanto as
legislações sociais nem existem e os sindicatos
são violentamente excluídos. Com a tirania dos
mercados financeiros, a destruição dos empregos
se acelerou. Assim, um grupo cotado na bolsa quer enviar um
"sinal claro" aos mercados financeiros ? Bom
que ele trate de demitir !
Enquanto a pretensão liberal de uma auto regulação
dos mercados esconde a ingerência dos investidores na
política econômica dos Estados, as Nações
Unidas prevêem "uma maior utilização
das fusões, recompras, alianças e "joint-ventures"
para veicular a expansão internacional".
(segue mais adiante: Caos econômico e confisco das riquezas)
[...]
ALENA : (em inglês : NAFTA) Acordo de livre comercio
norte-americano, entre os Estados Unidos, Canada e México,
assinado em 1o de janeiro de 1994.
ACP : Países da África, Caribe e Pacífico
incluídos nas Convenções de Lomé.
APEC : Conferência Econômica (dos Países)
do Pacifico Asiático; agrupa em conferência anual
os dirigentes políticos de 18 países do Pacífico
Asiático, oficialmente para reduzir suas barreiras alfandegárias.
Criado em novembro de 1989, a APEC, como o GATT, é na
realidade um processo de restruturação global
em direção a desregulamentação total
dos mercados nesta zona.
Banco Mundial : Criado em 1944 ao mesmo tempo que o FMI. Os
sufrágios dos países membros são proporcionais
aos montantes das contribuições respectivas. O
BM ou Banco Internacional para a Reconstrução
(BIRD) recolhe fundos sobre os mercados internacionais. Sua
Associação Internacional de desenvolvimento fornece
empréstimos preferenciais aos países "emergentes"
com o aval dos países membros, subvenções
do BIRD e dos fundos privados.
BIT/OIT : Organização Internacional do Trabalho.
Club de Paris : Órgão de controle das políticas
econômicas, o Club de Paris reúne os ministros
das finanças e os diretores dos Bancos Centrais dos países
credores. Seu papel é o reescalonamento das dívidas
antigas dos países do terceiro Mundo. Os países
devedores assinam acordos bilaterais com seus credores. Os altos
personagens que compõem a finança mundial se encontram
em outras inúmeras ocasiões : G 7, Davos, conferências
da OCDE e da OMC.
DREE : Direção das Relações Econômicas
Exteriores do Ministério das finanças francês
encarregada de todos os "dossiês de tratados de comércio
internacional.
FMI : Fundo Monetário Internacional; irmão gêmeo
do Banco Mundial, o FMI deve assegurar a estabilidade monetária
e fornecer "empréstimos de socorro " aos países
com dificuldades na balança de pagamento a curto prazo
e devedores aos bancos centrais. Estes empréstimos saem
dos PAS (planos de ajuste estrutural), planos especialmente
recomendados para os países endividados. Para garantir
o serviço da dívida, os PAS impõem principalmente
a redução das despesas públicas (saúde,
educação...), a redução dos salários,a
desvalorização da moeda, as privatizações
e a abertura do mercado.
OCDE : Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico. Organismo de estudo e de
prospectiva sobre as questões econômicas que agrupa
os 29 países mais industrializados.
A OMC e as instituições internacionais
O organograma da organização é edificante.
Claro, a Assembléia Geral, composta de ministros da economia
e das finanças dos países membros é em
teoria a instância suprema. Mas ela só tem obrigação
de se reunir a cada dois anos. Nesse interim, as diferentes
comissões de mercadorias, de serviços, de propriedade
intelectual
vão desempenhando as tarefas rotineiras.
Elas podem criar órgãos subsidiários, propor
emendas aos acordos e submetê-las ao Conselho Geral. Este
por sua vez, composto pelos "embaixadores permanentes"
na OMC e pelos diretores das comissões é flanqueado
por dois órgãos : o órgão de avaliação
das políticas comerciais, que inclui o FMI e o Banco
Mundial, e o órgão de regulamentação
das divergências que nomeia os painéis. O Conselho
Geral programa o calendário das Assembléias ministeriais.
Atualmente, com a organização já funcionando,
os países mais ricos exercem enormes pressões
para introduzir, ainda, novos setores. Na primeira assembléia
ministerial, em Singapura em dezembro de 1996, a "quad"
usou todo seu poder para impor as negociações
sobre os investimentos, os serviços públicos e
as regras de concorrência.
Os lobbies das transnacionais
CCE : A Comissão (nacional dos conselheiros) do Comércio
Exterior (da França) declarou em 30 de setembro de 1993
: "A Rodada do Uruguai é uma etapa na construção
de um mundo onde o comercio internacional trará, como
já o fez no passado, sua contribuição para
a prosperidade geral".
CCI : Câmara do Comercio Internacional com sede em Paris.
Extrato do folheto 599 da CCI, publicado em 1988 (em itálico)
:
A ONU e a CCI estão de acordo para formar uma parceria
com o objetivo de assegurar a contribuição das
empresas ao processo de decisão econômica da ONU
e de desenvolver o setor privado nos países menos avançados.
A CCI reforçou sua relação privilegiada
com os representantes dos governos na OMC, ao perpetuar suas
reuniões anuais com os embaixadores.
As empresas solicitam aos governos que apliquem integralmente
os acordos selados pela OMC (
), que respeitem as decisões
tomadas no quadro do sistema multilateral reforçado de
regulamentação das divergências, cujo sucesso
é essencial para a credibilidade da organização.
A CCI deseja que a OMC abra negociações para
estabelecer um quadro realmente mundial de regras e de disciplinas
no que toca o IDE (Investimentos Diretos no Exterior), fundado
sobre os princípios da nação mais favorecida
e da renda nacional.
Por ocasião de uma reunião entre os dirigentes
da CCI e os principais embaixadores junto à OMC, a CCI
se propos a reforçar sua colaboração (
)
a todos os níveis, e especialmente: - intervindo nos
congressos sobre (...) meio ambiente e desenvolvimento sustentável;
- comunicando à OMC a opinião das empresas sobre
a aplicação do acordo sobre os direitos de propriedade
intelectual no que se refere ao comercio; (
) - enviando
às reuniões da OMC sobre a estimulação
do comércio, delegados que possam intervir a fim informar
as prioridades das empresas sobre a questão.
A CCI enfatiza que toda reprodução, cópia
ou tradução de qualquer documento (
) é
estritamente proibida, sem autorização escrita.
Sem brincadeira! Coordenação contra as clonagens
do AMI versus Câmara de Comercio Internacional : 1/0 !
TABD : O Transatlantic Business Dialogue (Diálogo Transatlântico
de Negócios), criado em 1955, é uma iniciativa
conjunta da Comissão Européia e do Ministério
americano de comércio. Órgão consultivo,
compreendendo os PDG (Presidentes e Diretores Gerais) de mais
de 100 grandes empresas do trio Estados Unidos/ Europa/ Japão,
o TBD consiste numa força de proposição
política. Para acelerar as negociações
da Nova Parceria Econômica Transnacional, o TABD se reuniu
em novembro de 1998 para formular propostas práticas
a fim de viabilizar seus "acertos".
TREI : A Mesa Redonda Européia dos Industriais regrupa
os PDG das 45 maiores empresas européias. Trata-se do
grupo mais influente da Europa, que se deu por missão
"acompanhar" a Comissão Européia na
elaboração de sua política comercial. Cada
um de seus membros tem clara influência no seu país
de origem; com isso a TREI pôde se congratular por ver
quase todas suas propostas retomadas no tratado de Maastricht.
UNICE : União das industrias e dos empregadores europeus,
é uma federação de patrões. Contrariamente
à TREI, que prefere agir na surdina, é um lobby
muito presente e reconhecido em Bruxelas. Preocupado com a competitividade,
ele se ativa para que as reivindicações sindicais
não se transformem em legislações ! "
Em inúmeras ocasiões nós pudemos modificar
ou anular as diretrizes em projeto" se vangloria a UNICE.
EuropaBio nasceu no outono de 1996 da fusão de duas
federações européias de industrias biotecnológicas.
Ela se deu por tarefa "fazer avançar um quadro legislativo
e de regulamentação no qual as industrias biotecnológicas
européias possam prosperar".
Caos econömico e confisco das riequezas
Os anos 90 conheceram um extraordinário boom de investimentos
diretos estrangeiros (IDE) e de investimentos financeiros, maioritariamente
dopados pelo fundos de pensão e pelos fundos de investimento
norte-americanos. O volume de títulos permutados no jogo
de investimentos diretos aumentou 334% em 10 anos. 20% de todos
os bens no estrangeiro pertencem às 100 maaiores empresas
transnacionais.
O crescimento dos investimentos financeiros (ações,
obrigações, produtos derivados, opções,
investimentos em carteira) foi espetacular. Os investimentos
institucionais (fundos de pensões, companhias de seguro,
bancos de investimento...) quase dobraram sua capacidade financeira
em 10 anos.
A mobilidade permanente dos capitais, nos sete dias da semana
e nas vinte e quatro horas do dia - as novas tecnologias de
comunicação imprimindo a velocidade da luz a essa
mobilidade -, acarreta uma instabilidade financeira enorme e
generalizada. É o famoso "efeito bolha" !
20% da população mais rica do mundo repartem
entre si 82,7% da renda mundial, enquanto os 20% mais pobres
repartem entre si 1,4% da renda mundial.
Os 21 milhões de dólares hoje sob controle de
investidores e especuladores (dos quais 50% são americanos)
ultrapassam o PNB de todos os países industrializados
reunidos. O menor deslocamento pode acarretar conseqüências
totalmente desproporcionadas.
Ora, em vez de tentar regular esta volatilidade dos investimentos
a curto prazo, todas as pressões dos acordos multilaterais
se exercem no sentido de uma desregulamentação
ainda maior dos movimentos de capitais. Stanley Fisher, diretor
do FMI qualificava a abolição do controle dos
capitais internacionais como uma "etapa inevitável".
A desregulamentação total seria, a seu ver, "capaz
de acarretar vantagens aos habitantes e aos governos dos países".
É o inverso que se produz. Desde que o FMI estabeleceu
os planos de ajuste estrutural (PAS), e que o GATT foi assinado,
as diferenças entre os ricos e os pobres aumentaram.
Assistimos a um confisco permanente das riquezas por uma minoria
de investidores desproporcionalmente ricos ; enquanto isso aumenta
o número de excluídos, tanto ao Norte como ao
Sul. Viva o crescimento !
A transformaçao do que é vivo em mercadoria:
benvida a un mundo melhor
As grandes empresas agro- alimentares e fármaco-químicas
que apostavam na "revolução genética"
necessitavam poder patentear a matéria viva para tornar
seus investimentos rentáveis. Colocando toda a imprensa
internacional contra a pirataria e a falsificação,
um campanha muito bem orquestrada conseguiu colocar a propriedade
industrial entre as prerrogativas do GATT. Depois o adjetivo
"industrial" foi mudado para "intelectual".
Desapercebidamente as patentes sobre a matéria viva foram
inseridas nos acordos do GATT. O potencial desta última
etapa da mercantilização é quase ilimitado.
Sendo a reprodução a virtude essencial da matéria
viva, a magnífica perspectiva das empresas do setor é
receber royalties sobre cada geração da matéria
viva manipulada.
Para a indústria biotecnológica, as amostras
genéticas, sejam elas humanas, animais ou vegetais, constituem
a matéria prima da nova era industrial, baseada no controle
e na manipulação da vida. Plantas e animais transgênicos,
culturas e enxertos de tecidos e de orgãos animais ou
humanos geneticamente manipulados: toda a agricultura, a alimentação
e a medicina são afetadas. Novos e gigantescos monopólios
se perfilam e estão "privatizando a herança
genética da biosfera, incluindo a espécie humana"
(Vandana Shiva).
Nada a espantar no fato de que o AMI e o PET englobem as biotecnologias
na sua definição de investimento. Nem falemos
dos riscos já constatados e das graves incógnitas
para a saúde e o ambiente. A propaganda indecente, especialmente
a da Monsanto na primavera de 1998, para impor a aceitação
dos OGM (Organismos Geneticamente Modificados) faz as populações
se tornarem cada vez mais céticas. Por que esta insistência
em nos convencer? Por que a ausência de etiquetas adequadas?
Confundindo os consumidores as transnacionais agro-alimentares
inundam as prateleiras dos super mercados com novidades duvidosas
para as quais servimos de cobaias.
Por trás dos gigantescos interesses em jogo, se coloca
uma grave questão ética e filosófica. As
patentes sobre a matéria viva, inclusive sobre partes
e processos biológicos do corpo humano, põem em
questão nossa concepção sobre a vida e
a noção de integridade da pessoa humana. "A
humanidade não será mais uma comunidade de sujeitos
e sim um mercado de objetos". (Andrew Kimbell, The human
body shop, editor). Uma coisa é certa: se não
dominarmos estas tecnologias, serão elas que nos dominarão.
Se não reagirmos agora, nossos descendentes não
poderão mais fazê-lo. Juntos, numerosos movimentos
no mundo inteiro, exijamos a interdição de toda
patente sobre a matéria viva e uma moratória sobre
os organismos geneticamente modificados.
Um tratado para o desmatamento livre Um dos acordos de comércio
dos mais perniciosos está em gestação:
o "Global free logging agreement" (literalmente: Acordo
mundial para se abater livremente as florestas). Estimulado
pela administração Clinton, este projeto será
apresentado na OMC, para ser assinado, já em novembro
de 1999 (em Seatle, nos Estados Unidos). Argumento: a eliminação
das tarifas alfandegárias e a suspensão das "medidas
não tarifárias" (mais claramente: as medidas
de proteção ambientais e sanitárias) sobre
produtos florestais deverá estimular a demanda mundial
e portanto aumentar o ritmo de produção; então...
desmatamento na Amazônia, na Africa, na Indonésia...
De certa forma trata-se de um acordo de "devastação
livre" , ou mais precisamente da resposta do sr. Clinton
aos compromissos das cúpulas do Rio e de Kyoto sobre
o clima! Para mais informações: Antonia Jubatz,
diretora do Programa Internacional sobre Comércio e Floresta:
<antonia@americanlands.org>.
Um planeta repartido em mercados
Desregulamentações, competitividade, conquista
de mercados: as consequências nefastas do mercado 'livre'
são potencializadas no plano ecológico. Gigantismo,
monoculturas, intensificação da exploração
dos recursos naturais: florestas, terras cultiváveis,
águas de superfície e subterrâneas, atmosfera...
todos os meios naturais sofrem um impacto cada vez mais irreversível.
A desenfreada concentração industrial, , o aumento
de todo tipo de transporte ameaçam o equilíbrio
do clima e a camada de ozônio. Por outro lado a cada ano
se colocam no mercado, sem a menor precaução,
centenas de novos produtos químicos, com consequências
imprevisíveis sobre o ambiente e a saúde.
Com a mundialização da agricultura, a encefalite
espongiforme bovina, a famosa doença da vaca louca ultrapassou
fronteiras!
Este aspecto negativo do produtivismo de mercado tem seu corolário.
Ele traz consigo, de modo quase inexorável, a destruição
dos sistemas de produção ecologicamente sustentáveis.
A agricultura numa escala humana, a pesca artesanal, a criação
de gado tradicional estão condenadas pela liberalização
forçada dos mercados. As práticas ecologicamente
mais duradouras, aquelas que deveriam ser preservadas e estimuladas,
são eliminadas. Mas trata-se na realidade de transferência
de riquezas. O acaparamento dos recursos do planeta, redefinidos
como mercadorias por um punhado de empresas gigantescas, é
cada vez mais flagrante. O grupo Vivendi (antiga Empresa Geral
de Aguas) por exemplo, privatiza a água ao longo de toda
a América Latina e chega até as ilhas Fidji. Ao
subordinar todas as atividades econômicas aos imperativos
do mercado mundial, os tratados de comércio também
ameaçam diretamente as magras legislações
nacionais no que se refere à proteção do
ambiente. Nesse sentido as cláusulas do AMI, sobretudo
a que se refere à exportação, eram apavorantes.
No quadro da ALENA (NAFTA = acordo de comércio americano
entre Estados Unidos, Canadá e México) uma cláusula
desse tipo desencadeou um litígio escandaloso: a empresa
americana Ethyl Corporation atacou a legislação
canadense que proibia a venda do MNT, um perigoso aditivo para
carburantes fabricado pela ETHYL. A legislação
canadense teve que ser revogada e, cúmulo dos cúmulos,
o governo federal foi obrigado a pagar aos poluidores 13 milhões
de dólares por perdas e danos!
Num tal contexto e possivel um clone do AMI dentro da OMC?
Os "novos setores" foram introduzidos na Rodada do
Uruguai como tema a ser debatido para serem efetivados no final
do ciclo. Uma vez iniciada uma negociação, as
pressões para que cheguem ao fim com sucesso são
constantes e irresistíveis; e as medidas adotadas são
irreversíveis.
"Entramos numa fase histórica em que a OMC despojou
os países de boa parcela de sua soberania nacional e
estamos no ponto de entrar numa fase ainda mais perigosa. Estamos
ainda em um momento-chave, em que ainda há tempo de barrar
o embargo da OMC sobre os outros setores que ela cobiça".
Martin Khor - The World Network
Será possível conter por muito tempo o aparecimento
de uma consciência cada vez mais planetária? As
mesmas causas produzem os mesmos efeitos, as vítimas
da mundialização da economia constatam as mesmas
consequências por todo lado: mundialização
do saque, da pobreza, da poluição.
Uma rondada do milënio?
Numa OMC que se diz democrática, não somente as
cartas já estão marcadas, como são distribuídas
por baixo da mesa, antes de começar o jogo. A rodada
do Uruguai tinha sido anunciada como a última rodada
do GATT. A criação de uma Organização
Mundial do Comércio, com regras claras, eqüitativas,
iguais para todos, iria harmonizar as relações
comerciais entre os países. Violinos comerciais em ritmo
de valsa: os interesses do Terceiro Mundo seriam preservados,
sem esquecer os direitos sociais e até mesmo o meio ambiente.
Ora, eis que as pressões se elevam, de todo lado, para
o lançamento da Rodada do Milênio na próxima
Assembléia de Ministros da OMC (em novembro de 1999,
Seatle, Estados Unidos). Proposta por Léon Brittan (sempre
ele!), esta Rodada do Milênio acaba de receber o apoio
do governo japonês. O presidente Clinton também
a apoia, no seu discurso de 21 de janeiro de 1999 ante o Congresso
americano. Mas por que afinal uma nova Rodada, e para que?
Trata-se de aprovar em bloco os tratados sobre setores nos
quais as grandes empresas do Norte ainda não estão
satisfeitas. O investimento, as regras de concorrência
e a transparência dos contratos de serviços públicos
constituem as mais altas preocupações da Quad.
Tudo será considerado no contexto laborioso e confuso
de avaliação da renovação da Rodada
do Uruguai e do prosseguimento de seu calendário a longo
prazo.
Com o fracasso do AMI e com a resistência dos países
do Terceiro Mundo contra uma negociação sobre
o investimento orquestrada pela OMC, as pressões vão
redobrar!
A liberalização do investimento conforme os termos
definidos pelas grandes empresas do Norte constitui, de fato,
a chave para o acesso e o controle de todos os recursos naturais,
econômicos e financeiros do planeta. De certa forma, a
nota final será "a Constituição de
uma economia mundial unificada".
A resistëncia se organiza...
A filosofia, as regras e os métodos da OMC são
a cada dia mais contestados através do mundo. Não
nos deixemos intimidar pela algaravia tecnocrática dos
mestres do comércio mundial. O caráter "inevitável"
destas evoluções não passa de um argumento
propagandístico para alimentar o sentimento de impotência.
A cada etapa da privatização e da desregulamentação,
é bom que nos coloquemos a questão: quem se beneficia
com as novas regras? quem são os ganhadores? quem são
os perdedores?
Para não repetir o "fiasco do AMI", os partidários
da Rodada do Milênio no seio da OMC preparam com todo
cuidado sua comunicação. Quantidades de consultas
são organizadas, em Genebra e em Bruxelas, para ouvir
as ONGs e os sindicatos. Financiamentos são oferecidos
para que se "façam propostas construtivas".
A idéia seria de "empalidecer" o PET, de introduzir
cláusulas sociais na Rodada do Milênio... Ora,
esta Rodada é destinada a aprovar regras feitas sob medida
para os grandes investidores e as empresas transnacionais. É
como propor a um tigre que se torne vegetariano
Entre o futuro das transnacionais
e o futuro da humanidade,
nós temos o direito de escolher
...CADA UM PODE AGIR!
É urgente dar um fim às imposições
das instituições da economia global: a OMC, o
FMI, o Banco Mundial e o novo Banco Central Europeu devem obedecer
à vontade dos cidadãos por intermédio de
suas organizações, e não aos interesses
mercantís e financeiros das empresas multinacionais.
No início de 1998 mais de 60 associações,
sindicatos e grupos de cidadãos se associaram em uma
"Coordenação contra o AMI"e assinaram
o "Manifesto de 28 de abril" (ver na última
página).
Após o fracasso do Acordo Multilateral sobre o Investimento
na OCDE e o aparecimento da Parceria Econômica Transatlântica,
essa Coordenação se transformou em "Coordenação
contra os clones do AMI", e o Manifesto foi atualizado.
O presente texto constitui a base para a adesão de novas
organizações à Coordenação.
Ele se destina, bem como nossas cartas de interpelação,
às pessoas que têm mandatos eletivos, deputados,
senadores, prefeitos, governadores, etc. .
Nossas exigencias
Extratos do novo Manifesto:
"Pelo enterro do PET e pelo abandono da Rodada do Milênio
contra a agressão neoliberal,
pelos Direitos do Homem e pelos Direitos dos povos".
Pedimos a suspensão imediata do processo em andamento
da Parceria Econômica Transatlântica (PET). Em nome
dos princípios democráticos elementares , pedimos
a abertura de um debate público europeu sobre o PET e
em particular sobre suas consequências nas políticas
culturais, de educação, de serviços públicos,
de proteção social e ambiental, e de direito do
trabalho...
Recusamos a transferência de um AMI clonado para a OMC,
organização cuja natureza antidemocrática
e preocupações unicamente mercantís se
desvelaram, tanto no momento de sua instituição
em 1995 como por ocasião de cada um de seus veredictos.
Exigimos o abandono do projeto Rodada do Milênio, iniciado
por Leon Brittan, comissário ultra liberal europeu (da
comunidade européia), sustentado pelo governo japonês
e o presidente Clinton.
Reclamamos que se refaça a OMC de acordo com a Declaração
Universal dos Direitos humanos e as convenções
internacionais que dela decorrem. (...)
As empresas transnacionais devem:
· estar subordinadas às legislações
nacionais e, no futuro, internacionais, que obriguem a transparência
financeira, a adoção de medidas fiscais, de proteção
social, do direito do trabalho, assim como a regulamentação
da exploração da cultura, da agricultura, etc.-
ser obrigadas a assumir a responsabilidade social, ecológica
e sanitária.
· prestar contas não somente a seus acionistas
mas a seus empregados e às autoridades locais das municipalidades
onde estão implantadas.
· Os Estados devem poder controlar sua política
econômica. A economia deve estar a serviço dos
povos e não o inverso.
· Exigimos:
· uma legislação apropriada, nacional e
internacional para acabar com a fuga de capitais;
· a supressão dos paraísos fiscais;
· o estabelecimento de uma taxa internacional sobre os
movimentos de capitais especulativos e de uma taxa suplementar
sobre os produtos poluentes;
· o respeito da noção de serviço
público nos serviços essenciais como a saúde,
a água, a educação, a cultura, o setor
audiovisual, as telecomunicações, os transportes,
a energia;
· o respeito sistemático do princípio de
precaução em matéria de ecologia e de saúde
pública;
· a proibição de patentes sobre matérias
vivas: plantas, animais, micro-organismos e gens;
· uma instância de controle e de auditoria internacional
e independente - compreendendo as organizações
sindicais, as ONGs e as associações-, sobre as
disposições acima elencadas e particularmente
para o exame das contas das empresas transnacionais.
O que vocë pode fazer?
Interpelar os representantes eleitos
Desde já, interpelar os candidatos ao Parlamento Europeu.
Uma carta da CCCAMI (Coordenação Contra os Clones
do AMI) pode ser retomada pelos comitês locais e pelos
cidadãos e endereçada aos representantes eleitos,
deputados, senadores, prefeitos, conselheiros gerais e regionais.
Esta carta está disponível juntamente com esta
brochura (modelo disponível a ser enviado por correio
- para tanto, mandar envelope já selado ao CCCAMI).
Entrar nesta rede
Associe-se a um dos grupos existentes em diversas cidades na
França, ou crie um grupo CCCAMI, e entre em contato com
o CCCAMI nacional se você quiser se associar à
rede internacional de resistência.
Encomendar e divulgar esta brochura, organizar debates, conferências,
tribunais.
Ligar-se na tela
Na Internet existem numerosos sites com informações
sobre a OMC e a mundialização.
Alertar a opinião pública
Imprensa regional, rádios locais, internet, e sobretudo
através das organizações sociais: sindicatos,
associações, movimentos de consumidores...
Cada um pode agir no seu dia-a-dia
Dar preferência a produtos comercializados de maneira
eqüitativa, abster-se de consumir produtos das grandes
firmas que desprezam os direitos sociais e espoliam o meio ambiente.
Como produtores e consumidores todos nós podemos praticar
a dissidência econômica.
A resistëncia se mundaliza
A campanha contra os clones do AMI se inscreve num vasto movimento
internacional que não pretende parar.
A cúpula internacional organizada em Vincennes em 20
e 21 deoutubro de 1998 caracterizou a contestação
a nivel planetário; as delegações de 23
países puderam compartilhar a alegria de ter acertado
um golpe fatal a este acordo democrático na versão
OCDE. Imediatamente elas já alertaram para o risco da
'clonagem': tanto pela OMC como pelo PET; estratégias
de substituição já se organizando mesmo
antes do enterro oficial do AMI.
O apelo internacional contra a transferência do AMI para
a OMC, assinado por inúmeras organizações
internacionais, tem circulado amplamente. Hoje mais de 15 redes
internacionais e mais de 380 organizações se opõem
à transferência do AMI para a OMC e a qualquer
acordo similar, em qualquer instância. São organizações
da Africa do Sul, Albania, Alemanha, Austria, Australia, Belgica,
Bangladesh, Bolivia, Brasil, Canadá, Colombia, Costa
rica, Dinamarquia, Equador, Espanha, Estados Unidos, Etiopia,
Filipinas, Finlandia, França, Grã Bretanha, Guiana,
Hungria, Italia, India, Indonésia, Irlanda, Islândia,
Israel, Italia, Japão, Kenia, Lituania, Luxemburgo, Malasia,
Marrocos, México, Moçambique, Nicarágua,
Nova Zelandia, Países Baixos, Polonia, Portugal, Salvador,
Senegal, Sri Lanka, Suécia, Suiça, Tailandia,
Turquia, Venezuela, Uruguai... Elas pedem aos governos e aos
parlamentos que realizem "a elaboração de
critérios e de regras claras, que obriguem os investidores
e as empresas transnacionais de modo a que suas atividades passem
a servir às necessidades dos povos, num contexto internacional
justo, socialmente eqüitavel e ecológicamente duradouro".
Apelo disponível nos seguintes endereços:
twnet@po.jaring.my (versão em inglês)
ecoropa@magic.fr (versão em francês)
São Paulo, junho de 1999
Tradução para o português feita por integrantes
do núcleo ATTAC de São Paulo - Brasil