LAS CONFERENCIAS TEMÁTICAS: O AMI (Acordo multilateral sobre o investimento). Clonado à OMC (Organizaçao mundial do comércio)
 

 

O AMI... negro

As negociações sobre o Acordo Multilateral sobre o Investimento (AMI) fracassaram. Graças à pressão internacional dos movimentos de cidadania, o AMI não pôde ser assinado. Nunca tantos esforços tinham sido empreendidos pela sociedade civil para impedir os governos de ceder diante das forças do mercado. Exposto à luz do dia, tal um Drácula, o AMI teve que recuar. O combate valeu a pena: pela primeira vez, um tratado de comércio pensado para dar lucro unicamente às empresas transnacionais foi derrotado.

A saída da França acarretou a suspensão das discussões na OCDE, em 3 de dezembro de 1998. Mas o caso não acabou. O governo francês e a União Européia estimulam hoje a transferência da negociação para a Organização Mundial do Comércio (OMC). Estranha manobra pois a OCDE tinha sido promulgada em 1995 "fórum de negociação" do AMI justamente porque os países do Terceiro Mundo não a tinham aceito dentro do GATT (Acordo Geral sobre Tarifas Alfandegárias e Comércio), que posteriormente se transformou na OMC.
O AMI na Organização Mundial do Comércio? É a volta ao ponto de partida. Uma nova tentativa de fazer recuarem os Direitos Sociais nos países do Norte. Para impor aos países do Sul regras sobre os investimento estrangeiro que os submetem ainda mais às empresas multinacionais e aos especuladores. Paralelamente se desenrolam outras negociações obscuras: no Fundo Monetário Internacional para a revisão de seu estatuto no interior da Nova Parceria Econômica Transatlântica (PET).

Mas esta transferência do AMI para a OMC pode constituir uma oportunidade histórica para fazer brilhar à luz do dia o verdadeiro papel de uma organização que ameaça diretamente a democracia, para denunciar um tratado cuja função é submeter o mundo à lógica do lucro das empresas transnacionais. Eis a ocasião para as cidadãs e os cidadãos compreenderem o cenário que enganou a maioria dos responsáveis políticos.

As regras da OMC não são inelutáveis. Elas devem ser fundamentalmente revisadas. As mulheres e os homens, que tanto no Norte como no Sul pagam o preço da mundialização da economia, têm direito de saber e têm um papel legítimo a desempenhar nos assuntos que lhes dizem respeito.

Em direçao a um clone do AMI?
Negociado no maior segredo desde 1995 no apelidado "castelo da Muette", sede da OCDE em Paris, o AMI respondia a uma única preocupação: a proteção e o tratamento privilegiado para os investidores. Em lugar de 'multilateral' a leitura do texto revelava uma abordagem totalmente unilateral: todos os direitos para os investidores, todas as obrigações para os Estados. Destinado a tornar-se um tratado, o acordo deveria ter um estatuto jurídico superior às constituições nacionais. Um país signatário do acordo podia se retirar dele antes de completar 5 anos, mas continuava sujeito às suas obrigações por um prazo de 15 anos após a notificação de sua eventual saída!

Ainda por cima, a definição de investimento era muito ampla. Ela abrangia os recursos naturais, o setor agrícola, as empresas de produção e de serviços, os ativos financeiros, a propriedade intelectual e artística. Além disso, ao impor a circulação, sem nenhum controle, de todas as transações em todas as bolsas do mundo, o AMI teria definitivamente arruinado qualquer projeto visando controlar a especulação financeira.

Se o AMI tivesse sido assinado na OCDE, suas cláusulas teriam sido impostas não somente aos governos mas também às coletividades regionais: regiões, departamentos, distritos. O acordo daria aos investidores o direito de apelar para uma corte da Câmara de Comércio Internacional (CCI) - ver mais adiante à pg. 18 - caso eles se sentissem lesados por legislações ou por decisões de um Estado ou de uma coletividade local, cuja lei ou regulamentação prejudicasse seus possíveis lucros.

Enterrado na OCDE, o Drácula reaparece em outro local: seus protagonistas tentam implantar suas cláusulas em outras espaços para contornar os protestos e escapar à vigilância dos movimentos sociais.

Por um lado o comissário europeu para o comércio exterior, o thatcheriano ultra liberal sr. Leon Brittan, propõe, sem nenhum mandato do Conselho de Ministros, um acordo de livre comércio entre os Estados Unidos e a União Européia: o "Novo Mercado Transatlântico "(NMT) o qual, rejeitado pela França, reaparece no mês de maio de 1998 com o nome de "Nova Parceria Econômica Transatlântica"(PET). Por outro lado, um clone do AMI, o AIM, já está em gestação na OMC, espaço que o Primeiro Ministro francês julga mais apropriado.

O PET
Projeto de comércio livre incondicional entre a União Européia e os Estados Unidos lançado em início de 1998, o NMT (Novo Mercado Transatlântico) foi denunciado já no início de maio pelo presidente Chirac e pelo 1o ministro Jospin. Três semanas depois os srs. Clinton, Blair, Santer e Brittan, reunidos na Cúpula de Londres de 18 de maio de 1998, aprovam com o acordo velado da França, um novo texto, quase idêntico ao NTM, chamado "Parceria Econômica Transatlântica"(PET). As negociações do PET são ainda mais opacas que as do AMI.

Trata-se de uma série de acordos, de acertos, visando instaurar entre a União Européia e os Estados Unidos uma área de livre-comércio, fazendo desaparecer a curto prazo as chamadas barreiras "técnicas", nos mais diversos domínios tais como: produtos manufaturados, agricultura (incluindo as biotecnologias), serviços, direitos alfandegários industriais, comércio eletrônico global, direitos de propriedade industrial, investimentos financeiros (ei-los aqui mais uma vez !), contratos de serviços públicos e concorrência. Mas para melhor despolitizar o dossiê, e na esperança de evitar uma nova reação na opinião pública, introduziram-se uma série de conceitos novos - normas de reconhecimento mútuo, equivalência de funções, status-quo bilateral. Trata-se de impor, de fato, o direito de comercialização automática, dentro da União Européia, de todos os produtos e serviços americanos. Mais uma vez o político é esvaziado! Os industriais negociarão as modalidades do acordo diretamente como os altos funcionários dos ministérios das Finanças. Quanto às convenções coletivas e ao direito do trabalho, ficam particularmente ameaçados e abandonados à mercê das empresas; a Comissão Européia reconhece "que as regras de conduta facultativas (das empresas) constituem um instrumento eficaz para reforçar a capacidade dos meios empresariais de melhorar as condições de trabalho no mundo inteiro"(sic).

O PET, como o AMI, prevê o reforço das proteções aos investimentos no estrangeiro. Estas teriam um caráter retroativo que possibilitaria condenar os Estados, sobretudo alguns "países do Sul" que tenham nacionalizado empresas européias ou americanas.

Tratamento dado a os investimentos: os "acertos" sobre as disciplinas
Para retirar um obstáculo importante ao PET, um compromisso sobre a questão das leis extraordinárias teve que ser encontrado. Este compromisso prevê que a Europa renuncie ao recurso aos grupos especiais de regulação de divergências (os chamados painéis) da OMC, se os americanos se abstiverem de aplicar sanções às empresas européias. Este texto estipula igualmente que os Estados Unidos e a Europa se porão de acordo para banir os Estados que não respeitem os direitos de propriedade dos investidores. Um registro internacional dos Estados transgressores seria aberto, não a partir de uma decisão judicial mas de uma simples denúncia.

A Europa se alinharia assim à concepção americana segundo a qual o direito de propriedade é sagrado e assinaria um acordo de proteção aos investimentos que só se aplicaria aos países "terceiros" isto é, outros que não os Estados Unidos e os países da Europa! Trata-se de um procedimento profundamente anti-democrático, que visa implantar os princípios do AMI, evitando inteiramente passar pelos parlamentos nacionais e pelo parlamento europeu. Enquanto o Sr. Strauss-Kahn declara que o "compromisso de Londres não é um acordo constrangedor" a Diretriz da negociação da Comissão européia precisa textualmente: "os acordos negociados no quadro do Parceria Econômica Transatlântica se aplicam ao conjunto do território das partes envolvidasindependentemente de sua estrutura constitucional, a todos os níveis de poder e dentro das condições fixadas" (texto aprovado pelo Conselho dos Ministros europeus em 9 de novembro de 1998).

Mas o PET vai ainda mais longe. Sua intenção vai muito além de um acordo para uma zona livre de comércio total entre os Estados Unidos e a Europa. Trata-se, para os dois gigantes econômicos, de se acertarem sobre as regras a impor para o resto do mundo. No anexo 2 do projeto de programa de ação do PET está escrito com todas as letras: "estaremos cooperando com os trabalhos preparatórios à reunião ministerial (da OMC) de 1999, a fim de colocar o investimento na ordem do dia das negociações multilaterais." Fortemente apoiado pelas empresas transnacionais que fazem parte do Diálogo de Negócios Transatlânticos (Transatlantic Business Dialogue -TABD) - ver explicação mais adiante, no capítulo "Os lobbies das transnacionais - o PET pretende se impor antes do fim de 1999, introduzindo a "Rodada do Milênio" da OMC.

Em resumo, o AMI saído pela porta da OCDE, envereda pelo tunel de Bruxelas para se impor à OMC.

A OMC, mais democràtica que a OCDE?
Muitas idéias falsas circulam sobre a OMC. Esta organização é antes de tudo hermética. Suas sessões se desenrolam a portas fechadas. Os textos que se redigem são confidenciais até o momento em que são assinados. A imprensa, inclusive a imprensa especializada em economia, se contenta em emitir comunicados e lacônicos resumos oficiais. Em matéria de organização multilateral, ela é uma instância hermética sujeita a enormes pressões por parte dos interesses econômicos dominantes. Na OMC não existem representantes de sindicatos, nem de consumidores, nem de cidadãos.

Indiretamente por meio da regulamentação das transações comerciais, a OMC se imiscui em quase todos os campos da vida política, econômica e social dos países membros: a começar pela taxa de inseticida DDT aceitável nos legumes até a presença de organismos geneticamente manipulados (OGM) nos nossos pratos de comida, passando pelo pelo futuro dos serviços públicos..., as regras e os vereditos da OMC ditam os rumos dos negócios do mundo.

A OMC inclui hoje 139 países. A Assembléia ministerial, em teoria a instância suprema, composta pelos ministros das finanças dos países membros, tem obrigação de se reunir somente a cada dois anos. Nesse ínterim, os tecnocratas tratam dos assuntos mais rotineiros. Eles não prestam contas aos parlamentos nacionais, que não são nem mesmo informados do teor das negociações em andamento. Em compensação esses tecnocratas são fiscalizados pelos emissários dos atores econômicos mais poderosos. Assim, a Câmara de Comércio Internacional, na sua brochura de apresentação se vangloria de "exercer uma influência sem igual sobre as negociações da OMC".

Os assuntos os mais sensíveis são tratados por ocasião de reuniões "informais", convocadas pelo Sr. Renato Ruggiero, diretor da OMC até maio de 1999. Os países do Sul não são nem mesmo convidados. Quando muito alguns deles são arbitrariamente selecionados para dar aos países em desenvolvimento uma aparência de representação. Na realidade é a "QUAD" - Estados Unidos, Canadá, União Européia, Japão - que fixa tanto o conteúdo como o calendário das negociações. Os tecnocratas - "embaixadores" - na OMC são nomeados pelos ministros das finanças e do comércio exterior de seus respectivos países, que não se sentem para isso na obrigação de consultar as populações e seus representantes!

Quanto aos países europeus, como estariam eles honrando suas novas promessas de transparência e de consideração dos interesses dos países do Sul? Lionel Jospin tinha dito claramente: é o Comissário do comércio exterior que deve negociar, em nome dos Quinze da União Européia.

Como é possível que assembléias eleitas possam abandonar parcelas inteiros de suas prerrogativas, frequentemente sem nem mesmo ter consciência do que fazem? Para compreender isso é preciso voltar ao contexto das últimas negociações do GATT (Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas), aquelas da 8a rodada, a mais longa e a mais ambiciosa de todas as negociações multilaterais sobre comércio já realizadas. Verdadeira novela em capítulos, durando mais de sete anos, ela acabou por virar manchete dos jornais: "GATT, ruptura das negociações... suspensão das negociações..." Mas ninguém conhecia nem o conteúdo nem a encenação. Fora a parte que se referia à agricultura, motivo de um 'braço de ferro' entre os Estados Unidos e a Europa muito noticiado pelos meios de comunicação, havia um manto de silêncio sobre o que se negociava... Na sede do GATT em Genebra ou por ocasião das sessões de negociações em Bruxelas, Washington ou Chicago, elaboravam-se regrasque iriam afetar todos os aspectos da vida social e econômica dos países membros.

A rodad do Uruguai, o grande virada!
Em setembro de 1986, a convite dos americanos ao tempo da administração Reagan, todos os países membros do GATT se encontraram em Punta del Este no Uruguai. Foi o lançamento da 8a rodada. Tratava-se de fato de uma reelaboração total dos acordos originais. Quatro novos setores, até então prerrogativas nacionais, entraram para a órbita do GATT:

A Agricultura, setor considerado como vital e tradicionalmente objeto de medidas protecionistas teve que se dobrar progressivamente ante a nova ordem do comércio internacional.

Os Serviços - seguros, transportes, construção, turismo, comunicações (imprensa, setor audiovisual e telecomunicações), finanças e bancos, e até educação e saúde cairam também sob a autoridade do GATT.

Os investimentos deveriam igualmente ser desregulamentados . As "medidas relativas aos investimentos comerciais" (TRIMS) previam a interdição de recusar os investimentos ou a compra de empresas nacionais e seu patrimônio por empresas estrangeiras.

A "propriedade intelectual" (TRIPS) - direitos de autor, licenças, brevês industriais, marcas e patentes... - a partir de então extensiva às espécies vegetais e animais geneticamente manipuladas e aos "processos" biológicos e partes do corpo humano; tudo passa a ser objeto de patentes , e consequentemente aparece o direito de cobrar "royalties" sobre cada geração futura de seres vivos geneticamente manipulados .

. Os "Funcionamentos do Sistema do Gatt" (FOGS) arrematam esta arquitetura com um arsenal de "represálias cruzadas" contra os países que venham a infringir as regras. Os países "delinquentes" podem ter suas exportações boicotadas.

No meio dessa bruma, os técnicos do Gatt são monitorados pelos oligopólios emergentes, que conseguem confundiros responsáveis políticos, eliminando todos os parâmetros de referência.

Desregulamentaçao: o metodo
Para forçar a abertura de setores inteiros das economias, para garantir a aplicação de todas as cláusulas de liberalização, a 8ª rodada define novos critérios. Assim, os "Obstáculos Técnicos ao Comércio"(TBT) filtram as diferentes práticas protecionistas consideradas "discriminatórias". Entre esses novos critérios, as normas sanitárias e fito-sanitárias definem os parâmetros que passam a reger as legislações nacionais. Seu país seria contra a exposição dos alimentos a certos tipos de radiações? Suas associações de consumidores teriam conseguido impor normas estritas para os resíduos de DDT nos legumes? Agora será o "Codex Alimentarius" que fixará as taxas de resíduos químicos ou de aditivos autorizados, bem como as regras para as etiquetas de informação nos produtos alimentícios. Ora, as delegações nacionais que formam o Comitê do Codex Alimentarius são compostas em larga maioria pelos representantes das maiores firmas agro-químicas, farmaceuticas e veterinárias.

Quanto ao Comitê "etiquetas" do Codex, ele renunciou provisoriamente a seu projeto de conceder um selo de qualidade biológica que abrangesse ... os produtos das culturas transgênicas somente devido à pressão de uma enérgica campanha internacional

A 8a rodada do GATT prevê também um sistema de acertos de litígios (ORD) que permite condenar os países que não sigam ao pé da letra suas regras. Para julgá-los, nomeia-se, caso a caso, um painel (comitê de peritos) de três pessoas que decide em segredo e não tem obrigação de publicar suas deliberações. Em menos de 30 meses de vida, os veredictos da OMC já nos impuseram, entre outros, o milho transgênico americano ou a suspensão dos acordos preferenciais sobre a banana entre União Européia e os países ACP (Africa - Caribe- Pacífico) decorrentes dos acordos de Lomé. Da mesma forma um corpo de jurados da OMC decretou a ilegalidade da proibição européia sobre a carne de rebanhos tratados com hormonios...

7 nos de negociaçaoes....e as supresa da OMC!
Ao findar o ciclo de negociações comerciais mais ambicioso de toda a história, convinha dar a seus resultados a força da lei. Desde sua criação em 1947, o estatuto jurídico do GATT era o de um "Comitê interino para a organização internacional do comércio". A idéia de atrelar a assinatura da 8a rodada do GATT à sua transformação em OMC foi um estratégia muito hábil. A única maneira de ratificar, sob pressão e em meio à confusão, um ato que poucos governos teriam aceitado. Um grupo de negociadores separado para os FOGS (Funcionamentos do Sistema do Gatt) avançou o processo sem nada submeter aos países membros. Foi somente em dezembro de 1993, por ocasião de uma reunião informal, que os chefes das delegações tomaram conhecimento dos estatutos da futura OMC: uma organização permanente, dotada de estrutura poderosa e de um sistema impiedoso de arbítrio das disputas.

Após mais de 7 anos de negociações, chantagens e acertos, em 15 de dezembro de 1993, os negociadores americanos e europeus chancelam em Genebra a "Ata final" que institui a OMC. Em 15 de abril de 1994, a mesma ata é assinada em Marrakech pelos ministros dos países membros. A manobra consistiu em transformar o GATT, contrato provisório desde 1947, em uma organização permanente com extensos poderes: a OMC. E, com o fim de se atribuir uma legitimidade usurpada, em 15 de maio de 1998 a 2a assembléia de ministros da OMC festejou triunfalmente no Palácio das Nações, sede da ONU em Genebra, seu cinquentenário - quando na realidade ela tinha exatamente 3 anos e 6 meses de vida!

A OMC sem controle?
A OMC é um instrumento autônomo da Organização das Nações Unidas (ONU) e portanto não se submete a seu regulamento. Tradicionalmente, a criação de toda nova organização internacional exige consulta e uma coordenação com as outras agências da ONU. Ora, por ocasião da assinatura do tratado que instituiu a OMC (Marrakech, 15 de abril de 1994), o secretário geral da ONU, Boutros Boutros-Ghali, foi convidado como "simples observador"; o que provocou, aliás, um incidente diplomático. A partir do momento em que entrou em vigor, em janeiro de 1995, a OMC esvazia as prerrogativas das organizações da ONU (OIT,CNUCED,OMPI...). Tudo que se refere, de longe ou de perto, ao comércio, desde direitos autorais até normas alimentares... passa a ser da exclusiva competência da OMC.

Ao mesmo tempo em que escapava do controle da ONU, a OMC tomou cuidado em assegurar "parceiros competentes" para avaliar as políticas econômicas dos Estados. Seu "orgão de avaliação das políticas comerciais" é composto pela própria OMC, pelo Banco Mundial (BM) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI)!

Nestas instituições os votos têm valor proporcional às contribuições financeiras dos países membros: um dólar = um voto. Este modelito fim de século da democracia, onde o FMI, o Banco Mundial e a OMC têm um poder inigualável sobre as decisões macro-econômicas que regem o destino dos povos, explica porque mundialização rima com pauperização.

Ratificaçao via forceps
A OMC foi ratificada pelos parlamentos cujas constituições o exigiam, o que não é o caso da Inglaterra por exemplo. Os procedimentos para ratificação foram apressados, sofreram pressões, sem que os parlamentares pudessem tomar conhecimento dos textos para os quais davam seu aval. Na Espanha tudo se passou em sessão urgente, noturna. Nas Filipinas o governo obteve a maioria parlamentar por 3 votos, enquanto centenas de milhares de pessoas, os bispos à frente, manifestavam nas ruas de Manilha. No Congresso americano, a corrupção entrou na jogada: o governo Clinton comprou as vozes que lhe faltavam. Na Coréia do Sul o Ministro da Agricultura que prometera a seu país manter a proteção sobre o mercado nacional do arroz, acabou pedindo demissão.

Na França, a ratificação da OMC se deu em 15 de dezembro de 1994. Pressionados por Edouard Balladur, Primeiro ministro de François Mitterrand (num governo de cohabitação, onde o primeiro ministro era de partido de oposicão ao presidente socialista) e pelo Ministro da Economia e Finanças Alain Juppé, os deputados só receberam o documento de 550 páginas datilografadas uma semana antes da votação do acordo final que instituía a OMC. Ou seja, os parlamentares simplesmente não leram as novas "tábuas da lei" do comércio internacional que, uma vez por eles aprovadas, passariam a nos dominar,.

Organizaçao mundial do comercio ou organizaçao comercial do mundo?
O Gatt conseguiu realizar simultaneamente duas façanhas: transformar as espécies vivas e a criação artística em mercadorias e, a pretexto de regulamentar o comércio internacional, ingerir-se em todos os níveis das políticas internas dos países e das regiões.

Sob pretexto da regulamentação do comércio mundial, na realidade a OMC determinou os instrumentos de desregulamentação das legislações essenciais: direito de trabalho, proteção social, saúde pública, ambiente... Á medida que esta instituição serve de instrumento de privatização dos serviços públicos, os cidadãos perdem seus direitos fundamentais imprescritíveis.

Durante algum tempo enganados pelos discursos sobre a retomada econômica, um grande número de concidadãos nossos começam a compreender que a ideologia do crescimento econômico esconde uma evidência. O crescimento econômico é um fator de desigualdade e de concentração de riquezas que hoje se alimenta da destruição do emprego: aumento do desemprego, precarização dos contratos de trabalho, redução dos serviços públicos... Enquanto estes últimos são progressivamente eliminados, instala-se um sistema de duas medidas: os mercados da educação, da saúde... são entregues aos interesses privados e ficam acessíveis a uma clientela considerada "solvente" (digna de crédito), enquanto a população menos capitalizada fica cada vez mais desamparada.. Não lhes sobra mais do que "direitos pobres para pessoas pobres", dentro de um lógica humilhante de assistencialismo.

A invocação do crescimento econômico constitui portanto um slogan útil para bloquear a aspiração a uma repartição de riquezas mais equitável. . Assim, o argumento da competitividade serve sempre de desculpa para se admitir as demissões em massa , curiosamente batizadas de "planos sociais".

Por um punhado de oligopólios
As regras impostas pelo OMC constituem na realidade uma nova etapa de um programa paciente e metódico de desregulamentação para impor o comércio "livre". Para tanto, os tratados, Maastricht, ALENA, APEC ou GATT/OMC… têm uma arquitetura semelhante. Seus objetivos são claros : as transferências das prerrogativas dos Estados para as burocracias internacionais.

A desregulamentação - sem que se imponha qualquer obrigação - das mercadorias, dos serviços e dos capitais produz um supermercado planetário com uma concentração econômica a favor de um punhado de oligopólios que dominam mundialmente seus setores respectivos. A concorrência de todas as economias e de todos os trabalhadores condena ¾ da humanidade à precarização do trabalho e à pobreza. Centenas de bilhões de camponeses já não têm a capacidade de auto-suficiência. Pescadores, artesãos, pequenos comerciantes são eliminados impiedosamente. Os setores de serviço estão sujeitos a um enxugamento maciço. Enquanto as fronteiras devem ser permeáveis a todas as mercadorias, a livre circulação das pessoas é cada vez mais restrita.

Os Investimentos Diretos no Exterior (IDE) realizados pelas empresas transnacionais provocam uma corrida permanente às inovações tecnológicas. E provocam um hiper-

dimensionamento das capacidades de produção. Por outro lado, as retrações brutais e desordenadas ocasionadas pelas fusões e pelos deslocamentos das empresas transnacionais, conferem a estas oportunidades sem precedentes. Elas podem permanentemente reduzir seus efetivos e se instalar nas regiões onde os salários são baixos. A miragem da exportação cria uma situação permanente de oferta de excedentes e uma pressão nos custos de produção, que atinge primeiramente os salários.

Entre 1995 e 1996, 73% dos IDE foram exclusivamente consagrados às fusões e à recompra de empresas (Relatório sobre investimento no mundo - CNUCED 1996). Esses investimentos aceleram as concentrações e a emergência de situações de monopólio. Na esmagadora maioria dos casos, essas aquisições e fusões são acompanhadas por demissões em massa ou pela falência dos concorrentes.
Demissões em massa ocorrem nos países da OCDE. As 200 maiores empresas transnacionais (25% das atividades econômicas mundiais) não fornecem mais do que 0,75% de empregos no planeta.(Herald Tribune - abril de 1995).

A intensificação da concorrência internacional que leva todos os trabalhadores do mundo a uma competição forçada, implica na quase escravidão dos trabalhadores dos países onde os salários não ultrapassam 205 dolares por mês. A vantagem "comparativa", com a qual jogam os patrões das transnacionais, favorece os países que propõem condições muito "atraentes" para o capital, impondo aos trabalhadores condições lamentáveis. Mais de 700 "áreas de livre comércio" oferecem aos investidores estrangeiros os privilégios de extraterritorialidade, enquanto as legislações sociais nem existem e os sindicatos são violentamente excluídos. Com a tirania dos mercados financeiros, a destruição dos empregos se acelerou. Assim, um grupo cotado na bolsa quer enviar um "sinal claro" aos mercados financeiros ? Bom… que ele trate de demitir !

Enquanto a pretensão liberal de uma auto regulação dos mercados esconde a ingerência dos investidores na política econômica dos Estados, as Nações Unidas prevêem "uma maior utilização das fusões, recompras, alianças e "joint-ventures" para veicular a expansão internacional".

(segue mais adiante: Caos econômico e confisco das riquezas)
[...]

ALENA : (em inglês : NAFTA) Acordo de livre comercio norte-americano, entre os Estados Unidos, Canada e México, assinado em 1o de janeiro de 1994.

ACP : Países da África, Caribe e Pacífico incluídos nas Convenções de Lomé.

APEC : Conferência Econômica (dos Países) do Pacifico Asiático; agrupa em conferência anual os dirigentes políticos de 18 países do Pacífico Asiático, oficialmente para reduzir suas barreiras alfandegárias. Criado em novembro de 1989, a APEC, como o GATT, é na realidade um processo de restruturação global em direção a desregulamentação total dos mercados nesta zona.

Banco Mundial : Criado em 1944 ao mesmo tempo que o FMI. Os sufrágios dos países membros são proporcionais aos montantes das contribuições respectivas. O BM ou Banco Internacional para a Reconstrução (BIRD) recolhe fundos sobre os mercados internacionais. Sua Associação Internacional de desenvolvimento fornece empréstimos preferenciais aos países "emergentes" com o aval dos países membros, subvenções do BIRD e dos fundos privados.

BIT/OIT : Organização Internacional do Trabalho.

Club de Paris : Órgão de controle das políticas econômicas, o Club de Paris reúne os ministros das finanças e os diretores dos Bancos Centrais dos países credores. Seu papel é o reescalonamento das dívidas antigas dos países do terceiro Mundo. Os países devedores assinam acordos bilaterais com seus credores. Os altos personagens que compõem a finança mundial se encontram em outras inúmeras ocasiões : G 7, Davos, conferências da OCDE e da OMC.

DREE : Direção das Relações Econômicas Exteriores do Ministério das finanças francês encarregada de todos os "dossiês de tratados de comércio internacional.

FMI : Fundo Monetário Internacional; irmão gêmeo do Banco Mundial, o FMI deve assegurar a estabilidade monetária e fornecer "empréstimos de socorro " aos países com dificuldades na balança de pagamento a curto prazo e devedores aos bancos centrais. Estes empréstimos saem dos PAS (planos de ajuste estrutural), planos especialmente recomendados para os países endividados. Para garantir o serviço da dívida, os PAS impõem principalmente a redução das despesas públicas (saúde, educação...), a redução dos salários,a desvalorização da moeda, as privatizações e a abertura do mercado.

OCDE : Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Organismo de estudo e de prospectiva sobre as questões econômicas que agrupa os 29 países mais industrializados.

A OMC e as instituições internacionais
O organograma da organização é edificante. Claro, a Assembléia Geral, composta de ministros da economia e das finanças dos países membros é em teoria a instância suprema. Mas ela só tem obrigação de se reunir a cada dois anos. Nesse interim, as diferentes comissões de mercadorias, de serviços, de propriedade intelectual… vão desempenhando as tarefas rotineiras. Elas podem criar órgãos subsidiários, propor emendas aos acordos e submetê-las ao Conselho Geral. Este por sua vez, composto pelos "embaixadores permanentes" na OMC e pelos diretores das comissões é flanqueado por dois órgãos : o órgão de avaliação das políticas comerciais, que inclui o FMI e o Banco Mundial, e o órgão de regulamentação das divergências que nomeia os painéis. O Conselho Geral programa o calendário das Assembléias ministeriais.

Atualmente, com a organização já funcionando, os países mais ricos exercem enormes pressões para introduzir, ainda, novos setores. Na primeira assembléia ministerial, em Singapura em dezembro de 1996, a "quad" usou todo seu poder para impor as negociações sobre os investimentos, os serviços públicos e as regras de concorrência.

Os lobbies das transnacionais
CCE : A Comissão (nacional dos conselheiros) do Comércio Exterior (da França) declarou em 30 de setembro de 1993 : "A Rodada do Uruguai é uma etapa na construção de um mundo onde o comercio internacional trará, como já o fez no passado, sua contribuição para a prosperidade geral".

CCI : Câmara do Comercio Internacional com sede em Paris. Extrato do folheto 599 da CCI, publicado em 1988 (em itálico) :

A ONU e a CCI estão de acordo para formar uma parceria com o objetivo de assegurar a contribuição das empresas ao processo de decisão econômica da ONU e de desenvolver o setor privado nos países menos avançados. A CCI reforçou sua relação privilegiada com os representantes dos governos na OMC, ao perpetuar suas reuniões anuais com os embaixadores.

As empresas solicitam aos governos que apliquem integralmente os acordos selados pela OMC (…), que respeitem as decisões tomadas no quadro do sistema multilateral reforçado de regulamentação das divergências, cujo sucesso é essencial para a credibilidade da organização.

A CCI deseja que a OMC abra negociações para estabelecer um quadro realmente mundial de regras e de disciplinas no que toca o IDE (Investimentos Diretos no Exterior), fundado sobre os princípios da nação mais favorecida e da renda nacional.

Por ocasião de uma reunião entre os dirigentes da CCI e os principais embaixadores junto à OMC, a CCI se propos a reforçar sua colaboração (…) a todos os níveis, e especialmente: - intervindo nos congressos sobre (...) meio ambiente e desenvolvimento sustentável; - comunicando à OMC a opinião das empresas sobre a aplicação do acordo sobre os direitos de propriedade intelectual no que se refere ao comercio; (…) - enviando às reuniões da OMC sobre a estimulação do comércio, delegados que possam intervir a fim informar as prioridades das empresas sobre a questão.

A CCI enfatiza que toda reprodução, cópia ou tradução de qualquer documento (…) é estritamente proibida, sem autorização escrita. Sem brincadeira! Coordenação contra as clonagens do AMI versus Câmara de Comercio Internacional : 1/0 !

TABD : O Transatlantic Business Dialogue (Diálogo Transatlântico de Negócios), criado em 1955, é uma iniciativa conjunta da Comissão Européia e do Ministério americano de comércio. Órgão consultivo, compreendendo os PDG (Presidentes e Diretores Gerais) de mais de 100 grandes empresas do trio Estados Unidos/ Europa/ Japão, o TBD consiste numa força de proposição política. Para acelerar as negociações da Nova Parceria Econômica Transnacional, o TABD se reuniu em novembro de 1998 para formular propostas práticas a fim de viabilizar seus "acertos".

TREI : A Mesa Redonda Européia dos Industriais regrupa os PDG das 45 maiores empresas européias. Trata-se do grupo mais influente da Europa, que se deu por missão "acompanhar" a Comissão Européia na elaboração de sua política comercial. Cada um de seus membros tem clara influência no seu país de origem; com isso a TREI pôde se congratular por ver quase todas suas propostas retomadas no tratado de Maastricht.

UNICE : União das industrias e dos empregadores europeus, é uma federação de patrões. Contrariamente à TREI, que prefere agir na surdina, é um lobby muito presente e reconhecido em Bruxelas. Preocupado com a competitividade, ele se ativa para que as reivindicações sindicais não se transformem em legislações ! " Em inúmeras ocasiões nós pudemos modificar ou anular as diretrizes em projeto" se vangloria a UNICE.

EuropaBio nasceu no outono de 1996 da fusão de duas federações européias de industrias biotecnológicas. Ela se deu por tarefa "fazer avançar um quadro legislativo e de regulamentação no qual as industrias biotecnológicas européias possam prosperar".

Caos econömico e confisco das riequezas
Os anos 90 conheceram um extraordinário boom de investimentos diretos estrangeiros (IDE) e de investimentos financeiros, maioritariamente dopados pelo fundos de pensão e pelos fundos de investimento norte-americanos. O volume de títulos permutados no jogo de investimentos diretos aumentou 334% em 10 anos. 20% de todos os bens no estrangeiro pertencem às 100 maaiores empresas transnacionais.

O crescimento dos investimentos financeiros (ações, obrigações, produtos derivados, opções, investimentos em carteira) foi espetacular. Os investimentos institucionais (fundos de pensões, companhias de seguro, bancos de investimento...) quase dobraram sua capacidade financeira em 10 anos.

A mobilidade permanente dos capitais, nos sete dias da semana e nas vinte e quatro horas do dia - as novas tecnologias de comunicação imprimindo a velocidade da luz a essa mobilidade -, acarreta uma instabilidade financeira enorme e generalizada. É o famoso "efeito bolha" !

20% da população mais rica do mundo repartem entre si 82,7% da renda mundial, enquanto os 20% mais pobres repartem entre si 1,4% da renda mundial.
Os 21 milhões de dólares hoje sob controle de investidores e especuladores (dos quais 50% são americanos) ultrapassam o PNB de todos os países industrializados reunidos. O menor deslocamento pode acarretar conseqüências totalmente desproporcionadas.

Ora, em vez de tentar regular esta volatilidade dos investimentos a curto prazo, todas as pressões dos acordos multilaterais se exercem no sentido de uma desregulamentação ainda maior dos movimentos de capitais. Stanley Fisher, diretor do FMI qualificava a abolição do controle dos capitais internacionais como uma "etapa inevitável". A desregulamentação total seria, a seu ver, "capaz de acarretar vantagens aos habitantes e aos governos dos países". É o inverso que se produz. Desde que o FMI estabeleceu os planos de ajuste estrutural (PAS), e que o GATT foi assinado, as diferenças entre os ricos e os pobres aumentaram. Assistimos a um confisco permanente das riquezas por uma minoria de investidores desproporcionalmente ricos ; enquanto isso aumenta o número de excluídos, tanto ao Norte como ao Sul. Viva o crescimento !

A transformaçao do que é vivo em mercadoria: benvida a un mundo melhor

As grandes empresas agro- alimentares e fármaco-químicas que apostavam na "revolução genética" necessitavam poder patentear a matéria viva para tornar seus investimentos rentáveis. Colocando toda a imprensa internacional contra a pirataria e a falsificação, um campanha muito bem orquestrada conseguiu colocar a propriedade industrial entre as prerrogativas do GATT. Depois o adjetivo "industrial" foi mudado para "intelectual". Desapercebidamente as patentes sobre a matéria viva foram inseridas nos acordos do GATT. O potencial desta última etapa da mercantilização é quase ilimitado. Sendo a reprodução a virtude essencial da matéria viva, a magnífica perspectiva das empresas do setor é receber royalties sobre cada geração da matéria viva manipulada.

Para a indústria biotecnológica, as amostras genéticas, sejam elas humanas, animais ou vegetais, constituem a matéria prima da nova era industrial, baseada no controle e na manipulação da vida. Plantas e animais transgênicos, culturas e enxertos de tecidos e de orgãos animais ou humanos geneticamente manipulados: toda a agricultura, a alimentação e a medicina são afetadas. Novos e gigantescos monopólios se perfilam e estão "privatizando a herança genética da biosfera, incluindo a espécie humana" (Vandana Shiva).

Nada a espantar no fato de que o AMI e o PET englobem as biotecnologias na sua definição de investimento. Nem falemos dos riscos já constatados e das graves incógnitas para a saúde e o ambiente. A propaganda indecente, especialmente a da Monsanto na primavera de 1998, para impor a aceitação dos OGM (Organismos Geneticamente Modificados) faz as populações se tornarem cada vez mais céticas. Por que esta insistência em nos convencer? Por que a ausência de etiquetas adequadas? Confundindo os consumidores as transnacionais agro-alimentares inundam as prateleiras dos super mercados com novidades duvidosas para as quais servimos de cobaias.

Por trás dos gigantescos interesses em jogo, se coloca uma grave questão ética e filosófica. As patentes sobre a matéria viva, inclusive sobre partes e processos biológicos do corpo humano, põem em questão nossa concepção sobre a vida e a noção de integridade da pessoa humana. "A humanidade não será mais uma comunidade de sujeitos e sim um mercado de objetos". (Andrew Kimbell, The human body shop, editor). Uma coisa é certa: se não dominarmos estas tecnologias, serão elas que nos dominarão. Se não reagirmos agora, nossos descendentes não poderão mais fazê-lo. Juntos, numerosos movimentos no mundo inteiro, exijamos a interdição de toda patente sobre a matéria viva e uma moratória sobre os organismos geneticamente modificados.

Um tratado para o desmatamento livre Um dos acordos de comércio dos mais perniciosos está em gestação: o "Global free logging agreement" (literalmente: Acordo mundial para se abater livremente as florestas). Estimulado pela administração Clinton, este projeto será apresentado na OMC, para ser assinado, já em novembro de 1999 (em Seatle, nos Estados Unidos). Argumento: a eliminação das tarifas alfandegárias e a suspensão das "medidas não tarifárias" (mais claramente: as medidas de proteção ambientais e sanitárias) sobre produtos florestais deverá estimular a demanda mundial e portanto aumentar o ritmo de produção; então... desmatamento na Amazônia, na Africa, na Indonésia... De certa forma trata-se de um acordo de "devastação livre" , ou mais precisamente da resposta do sr. Clinton aos compromissos das cúpulas do Rio e de Kyoto sobre o clima! Para mais informações: Antonia Jubatz, diretora do Programa Internacional sobre Comércio e Floresta: <antonia@americanlands.org>.

Um planeta repartido em mercados
Desregulamentações, competitividade, conquista de mercados: as consequências nefastas do mercado 'livre' são potencializadas no plano ecológico. Gigantismo, monoculturas, intensificação da exploração dos recursos naturais: florestas, terras cultiváveis, águas de superfície e subterrâneas, atmosfera... todos os meios naturais sofrem um impacto cada vez mais irreversível. A desenfreada concentração industrial, , o aumento de todo tipo de transporte ameaçam o equilíbrio do clima e a camada de ozônio. Por outro lado a cada ano se colocam no mercado, sem a menor precaução, centenas de novos produtos químicos, com consequências imprevisíveis sobre o ambiente e a saúde.

Com a mundialização da agricultura, a encefalite espongiforme bovina, a famosa doença da vaca louca ultrapassou fronteiras!

Este aspecto negativo do produtivismo de mercado tem seu corolário. Ele traz consigo, de modo quase inexorável, a destruição dos sistemas de produção ecologicamente sustentáveis. A agricultura numa escala humana, a pesca artesanal, a criação de gado tradicional estão condenadas pela liberalização forçada dos mercados. As práticas ecologicamente mais duradouras, aquelas que deveriam ser preservadas e estimuladas, são eliminadas. Mas trata-se na realidade de transferência de riquezas. O acaparamento dos recursos do planeta, redefinidos como mercadorias por um punhado de empresas gigantescas, é cada vez mais flagrante. O grupo Vivendi (antiga Empresa Geral de Aguas) por exemplo, privatiza a água ao longo de toda a América Latina e chega até as ilhas Fidji. Ao subordinar todas as atividades econômicas aos imperativos do mercado mundial, os tratados de comércio também ameaçam diretamente as magras legislações nacionais no que se refere à proteção do ambiente. Nesse sentido as cláusulas do AMI, sobretudo a que se refere à exportação, eram apavorantes. No quadro da ALENA (NAFTA = acordo de comércio americano entre Estados Unidos, Canadá e México) uma cláusula desse tipo desencadeou um litígio escandaloso: a empresa americana Ethyl Corporation atacou a legislação canadense que proibia a venda do MNT, um perigoso aditivo para carburantes fabricado pela ETHYL. A legislação canadense teve que ser revogada e, cúmulo dos cúmulos, o governo federal foi obrigado a pagar aos poluidores 13 milhões de dólares por perdas e danos!

Num tal contexto e possivel um clone do AMI dentro da OMC?
Os "novos setores" foram introduzidos na Rodada do Uruguai como tema a ser debatido para serem efetivados no final do ciclo. Uma vez iniciada uma negociação, as pressões para que cheguem ao fim com sucesso são constantes e irresistíveis; e as medidas adotadas são irreversíveis.

"Entramos numa fase histórica em que a OMC despojou os países de boa parcela de sua soberania nacional e estamos no ponto de entrar numa fase ainda mais perigosa. Estamos ainda em um momento-chave, em que ainda há tempo de barrar o embargo da OMC sobre os outros setores que ela cobiça". Martin Khor - The World Network

Será possível conter por muito tempo o aparecimento de uma consciência cada vez mais planetária? As mesmas causas produzem os mesmos efeitos, as vítimas da mundialização da economia constatam as mesmas consequências por todo lado: mundialização do saque, da pobreza, da poluição.

Uma rondada do milënio?
Numa OMC que se diz democrática, não somente as cartas já estão marcadas, como são distribuídas por baixo da mesa, antes de começar o jogo. A rodada do Uruguai tinha sido anunciada como a última rodada do GATT. A criação de uma Organização Mundial do Comércio, com regras claras, eqüitativas, iguais para todos, iria harmonizar as relações comerciais entre os países. Violinos comerciais em ritmo de valsa: os interesses do Terceiro Mundo seriam preservados, sem esquecer os direitos sociais e até mesmo o meio ambiente.

Ora, eis que as pressões se elevam, de todo lado, para o lançamento da Rodada do Milênio na próxima Assembléia de Ministros da OMC (em novembro de 1999, Seatle, Estados Unidos). Proposta por Léon Brittan (sempre ele!), esta Rodada do Milênio acaba de receber o apoio do governo japonês. O presidente Clinton também a apoia, no seu discurso de 21 de janeiro de 1999 ante o Congresso americano. Mas por que afinal uma nova Rodada, e para que?

Trata-se de aprovar em bloco os tratados sobre setores nos quais as grandes empresas do Norte ainda não estão satisfeitas. O investimento, as regras de concorrência e a transparência dos contratos de serviços públicos constituem as mais altas preocupações da Quad. Tudo será considerado no contexto laborioso e confuso de avaliação da renovação da Rodada do Uruguai e do prosseguimento de seu calendário a longo prazo.

Com o fracasso do AMI e com a resistência dos países do Terceiro Mundo contra uma negociação sobre o investimento orquestrada pela OMC, as pressões vão redobrar!

A liberalização do investimento conforme os termos definidos pelas grandes empresas do Norte constitui, de fato, a chave para o acesso e o controle de todos os recursos naturais, econômicos e financeiros do planeta. De certa forma, a nota final será "a Constituição de uma economia mundial unificada".

A resistëncia se organiza...
A filosofia, as regras e os métodos da OMC são a cada dia mais contestados através do mundo. Não nos deixemos intimidar pela algaravia tecnocrática dos mestres do comércio mundial. O caráter "inevitável" destas evoluções não passa de um argumento propagandístico para alimentar o sentimento de impotência. A cada etapa da privatização e da desregulamentação, é bom que nos coloquemos a questão: quem se beneficia com as novas regras? quem são os ganhadores? quem são os perdedores?

Para não repetir o "fiasco do AMI", os partidários da Rodada do Milênio no seio da OMC preparam com todo cuidado sua comunicação. Quantidades de consultas são organizadas, em Genebra e em Bruxelas, para ouvir as ONGs e os sindicatos. Financiamentos são oferecidos para que se "façam propostas construtivas". A idéia seria de "empalidecer" o PET, de introduzir cláusulas sociais na Rodada do Milênio... Ora, esta Rodada é destinada a aprovar regras feitas sob medida para os grandes investidores e as empresas transnacionais. É como propor a um tigre que se torne vegetariano

Entre o futuro das transnacionais
e o futuro da humanidade,
nós temos o direito de escolher
...CADA UM PODE AGIR!

É urgente dar um fim às imposições das instituições da economia global: a OMC, o FMI, o Banco Mundial e o novo Banco Central Europeu devem obedecer à vontade dos cidadãos por intermédio de suas organizações, e não aos interesses mercantís e financeiros das empresas multinacionais.

No início de 1998 mais de 60 associações, sindicatos e grupos de cidadãos se associaram em uma "Coordenação contra o AMI"e assinaram o "Manifesto de 28 de abril" (ver na última página).

Após o fracasso do Acordo Multilateral sobre o Investimento na OCDE e o aparecimento da Parceria Econômica Transatlântica, essa Coordenação se transformou em "Coordenação contra os clones do AMI", e o Manifesto foi atualizado. O presente texto constitui a base para a adesão de novas organizações à Coordenação. Ele se destina, bem como nossas cartas de interpelação, às pessoas que têm mandatos eletivos, deputados, senadores, prefeitos, governadores, etc. .

Nossas exigencias
Extratos do novo Manifesto:

"Pelo enterro do PET e pelo abandono da Rodada do Milênio
contra a agressão neoliberal,
pelos Direitos do Homem e pelos Direitos dos povos".

Pedimos a suspensão imediata do processo em andamento da Parceria Econômica Transatlântica (PET). Em nome dos princípios democráticos elementares , pedimos a abertura de um debate público europeu sobre o PET e em particular sobre suas consequências nas políticas culturais, de educação, de serviços públicos, de proteção social e ambiental, e de direito do trabalho...

Recusamos a transferência de um AMI clonado para a OMC, organização cuja natureza antidemocrática e preocupações unicamente mercantís se desvelaram, tanto no momento de sua instituição em 1995 como por ocasião de cada um de seus veredictos. Exigimos o abandono do projeto Rodada do Milênio, iniciado por Leon Brittan, comissário ultra liberal europeu (da comunidade européia), sustentado pelo governo japonês e o presidente Clinton.

Reclamamos que se refaça a OMC de acordo com a Declaração Universal dos Direitos humanos e as convenções internacionais que dela decorrem. (...)

As empresas transnacionais devem:

· estar subordinadas às legislações nacionais e, no futuro, internacionais, que obriguem a transparência financeira, a adoção de medidas fiscais, de proteção social, do direito do trabalho, assim como a regulamentação da exploração da cultura, da agricultura, etc.- ser obrigadas a assumir a responsabilidade social, ecológica e sanitária.
· prestar contas não somente a seus acionistas mas a seus empregados e às autoridades locais das municipalidades onde estão implantadas.
· Os Estados devem poder controlar sua política econômica. A economia deve estar a serviço dos povos e não o inverso.
· Exigimos:
· uma legislação apropriada, nacional e internacional para acabar com a fuga de capitais;
· a supressão dos paraísos fiscais;
· o estabelecimento de uma taxa internacional sobre os movimentos de capitais especulativos e de uma taxa suplementar sobre os produtos poluentes;
· o respeito da noção de serviço público nos serviços essenciais como a saúde, a água, a educação, a cultura, o setor audiovisual, as telecomunicações, os transportes, a energia;
· o respeito sistemático do princípio de precaução em matéria de ecologia e de saúde pública;
· a proibição de patentes sobre matérias vivas: plantas, animais, micro-organismos e gens;
· uma instância de controle e de auditoria internacional e independente - compreendendo as organizações sindicais, as ONGs e as associações-, sobre as disposições acima elencadas e particularmente para o exame das contas das empresas transnacionais.

O que vocë pode fazer?
Interpelar os representantes eleitos
Desde já, interpelar os candidatos ao Parlamento Europeu. Uma carta da CCCAMI (Coordenação Contra os Clones do AMI) pode ser retomada pelos comitês locais e pelos cidadãos e endereçada aos representantes eleitos, deputados, senadores, prefeitos, conselheiros gerais e regionais. Esta carta está disponível juntamente com esta brochura (modelo disponível a ser enviado por correio - para tanto, mandar envelope já selado ao CCCAMI).

Entrar nesta rede
Associe-se a um dos grupos existentes em diversas cidades na França, ou crie um grupo CCCAMI, e entre em contato com o CCCAMI nacional se você quiser se associar à rede internacional de resistência.

Encomendar e divulgar esta brochura, organizar debates, conferências, tribunais.

Ligar-se na tela
Na Internet existem numerosos sites com informações sobre a OMC e a mundialização.

Alertar a opinião pública
Imprensa regional, rádios locais, internet, e sobretudo através das organizações sociais: sindicatos, associações, movimentos de consumidores...

Cada um pode agir no seu dia-a-dia
Dar preferência a produtos comercializados de maneira eqüitativa, abster-se de consumir produtos das grandes firmas que desprezam os direitos sociais e espoliam o meio ambiente. Como produtores e consumidores todos nós podemos praticar a dissidência econômica.

A resistëncia se mundaliza
A campanha contra os clones do AMI se inscreve num vasto movimento internacional que não pretende parar.
A cúpula internacional organizada em Vincennes em 20 e 21 deoutubro de 1998 caracterizou a contestação a nivel planetário; as delegações de 23 países puderam compartilhar a alegria de ter acertado um golpe fatal a este acordo democrático na versão OCDE. Imediatamente elas já alertaram para o risco da 'clonagem': tanto pela OMC como pelo PET; estratégias de substituição já se organizando mesmo antes do enterro oficial do AMI.

O apelo internacional contra a transferência do AMI para a OMC, assinado por inúmeras organizações internacionais, tem circulado amplamente. Hoje mais de 15 redes internacionais e mais de 380 organizações se opõem à transferência do AMI para a OMC e a qualquer acordo similar, em qualquer instância. São organizações da Africa do Sul, Albania, Alemanha, Austria, Australia, Belgica, Bangladesh, Bolivia, Brasil, Canadá, Colombia, Costa rica, Dinamarquia, Equador, Espanha, Estados Unidos, Etiopia, Filipinas, Finlandia, França, Grã Bretanha, Guiana, Hungria, Italia, India, Indonésia, Irlanda, Islândia, Israel, Italia, Japão, Kenia, Lituania, Luxemburgo, Malasia, Marrocos, México, Moçambique, Nicarágua, Nova Zelandia, Países Baixos, Polonia, Portugal, Salvador, Senegal, Sri Lanka, Suécia, Suiça, Tailandia, Turquia, Venezuela, Uruguai... Elas pedem aos governos e aos parlamentos que realizem "a elaboração de critérios e de regras claras, que obriguem os investidores e as empresas transnacionais de modo a que suas atividades passem a servir às necessidades dos povos, num contexto internacional justo, socialmente eqüitavel e ecológicamente duradouro".
Apelo disponível nos seguintes endereços:

twnet@po.jaring.my (versão em inglês)
ecoropa@magic.fr (versão em francês)

São Paulo, junho de 1999

Tradução para o português feita por integrantes do núcleo ATTAC de São Paulo - Brasil

 




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