Aos poucos os norte-americanos vão
entender melhor o raciocínio da paz, acreditam movimentos
contrários à guerra
Todas as notícias afirmam a popularidade entre os americanos
do Presidente Bush e das medidas que ele tem tomado em resposta
aos ataques no dia 11 de setembro. Nove de cada 10 americanos
aprovam o jeito que o Sr. Bush tem trabalhado e 7 de cada 10
são a favor de uma resposta "forte e militar."
Uma grande proporção do público também
tem mostrado sua disposição a abdicar de algum
grau de suas liberdades civis para que as autoridades possam
utilizar mais força policial em resposta aos terroristas.
Os jornais, tanto brasileiros como americanos, dedicam quase
toda sua atenção aos métodos de contra-ataque,
e à inevitável demora que vai existir neste "novo
tipo de guerra" -- que é contra indivíduos
associados ao terrorismo e não contra nações.
Entretanto, pouco é dito acerca da comunidade de pacifistas
nos EUA -- uma comunidade que até hoje mantém
firmemente sua dedicação aos conceitos da não-violência
e tolerância.
Os pacifistas nos Estados Unidos, representados por grupos
como o War Resister's League (http://www.warresisters.org),
o Fellowship of Reconciliation (http://www.forusa.org), e várias
igrejas como os Pax Christi, Church of the Brethren, os Quakers
e os Mennonites, acreditam que o país tem que parar de
pensar na resposta imediata. Quando ouviu a pergunta: "Então,
o que fazemos sobre o Hitler" (ou, neste caso, o Bin Laden),
Colman McCarthy, Diretor do Centro pelo Ensino da Paz em Washington,
respondeu-me: "Quando sabemos que existe um fogo, esperamos
cinco semanas para mandar um corpo de bombeiros?" O Sr.
McCarthy é um veterano do movimento pacifista americano
e professor do tema "Estudos de paz e conflito" que
hoje existe -- em grande parte por causa do seu "lobby"
-- como curso de graduação em mais de 70 faculdades
americanas (havia só um em 1970). O argumento de McCarthy
é que a prevenção de conflitos é
totalmente possível, mas é pouco utilizada. McCarthy
continua: "Nós (americanos) temos o direito de ficarmos
chocados com os ataques, mas não temos como sentir surpresa
com o que aconteceu...Quando uma criança está
na escola e na hora do recreio bate em todo mundo, eventualmente
alguém vai retribuir."
Outra pergunta típica dos americanos a favor de uma resposta
militar é: "Se seu filho tivesse morrido no WTC,
você não ia querer matar o inimigo?!" Há
quem acuse os pacifistas de serem anti-patriotas. Um comentarista
disse que um em cada 3 americanos conheceu alguém que
morreu neste ataque. Durante a passeata pela paz (veja o vídeo
da passeata no portal http://www.jasonbuckley.com) em Washington,
no dia 29 de setembro, 15.000 cidadãos marcharam e cantaram.
Alguns traziam projetos de arte detalhados como os fantoches
intricados representando "o povão" do mundo.
Um membro da equipe de salvamento falou com força e paixão:
"Alguns dizem, 'se você tivesse perdido pessoas amadas
no WTC você iria querer guerra também.' Mas eu
estava lá, eu estava lá na hora do desabamento
e perdi 4 colegas da minha equipe. É exatamente por isso
que eu apoio este movimento [contra guerra] e digo que a guerra
não vai nunca trazer de volta os nossos amados! Pergunto
aos que são a favor: Você sabe como que é
a guerra? Eu sei! Eu estava na área do impacto e eu sei
o que significa ver mortes de inocentes, homens, mulheres, e
crianças."
Passei a tarde de quinta-feira, dia 4 de outubro, com uma amiga,
doutoranda de planejamento urbano que trabalha com desenvolvimento
sustentável em Filadélfia. Minha amiga perdeu
seu namorado, com quem se relacionava há 3 anos, no WTC
1. Teve sorte relativa, pelo fato de o corpo do namorado ter
sido encontrado, então tem idéia do que ocorreu:
ele conseguiu descer do nonagésimo segundo andar e chegar
até a rua quando o prédio 1 caiu. Morreu correndo
os últimos metros para a esperada salvação
quando uma pedra o atingiu na cabeça. Interessante é
que durante as horas em que conversamos, essa amiga, sempre
com os olhos cobertos por óculos de sol, não mencionou
sua raiva contra o Taleban. Falou de outras coisas - da noite
em que se conheceram, do irmão que até então
vivia competindo com ele, e dos pais que estavam tentando encher
seus dias com atividades para evitar sentir a tremenda dor.
Comentou acerca de outra coisa, do que o ator Michael Douglas,
durante o programa do "Tonight Show com Jay Leno"
na sexta-feira dia 5 de outubro, falou. Em Nova Iorque, ele
diz, "tudo está um pouco mais lento e muito mais
carinhoso." Então, a verdade é que nem todos
que sofrem com a morte querem vingança. Muitas pessoas
preferem se concentrar nas coisas boas que existem e que podem
ainda existir.
O que o país deve fazer, então? Alguns pacifistas
mais "militantes" (por falta de uma melhor palavra),
imaginam um mundo totalmente diferente, não só
de ativistas se organizando contra os problemas sociais, mas
militando contra problemas estruturais; não lutando apenas
para ter uma sociedade onde o emprego é garantido mas,
por exemplo, batalhando por empregos saudáveis. Outros
pacifistas são mais práticos. Sugerem idéias
como Jeff Goldman da ONG Co-op América (http://www.coopamerica.org),
que trabalha para construir um mercado com menos desigualdade
e mais preocupação ambiental - "Precisamos
é de um novo Plano Marshall para todos os países
pobres, eliminar todas as armas de destruição
em massa, aumentar a influência da ONU e limitar aquela
dos Estados Unidos, aumentar a segurança, e apoiar pequenos
negócios de árabes-americanos. Precisamos finalmente
rever e criticar as políticas externas do passado para
entender porque tantos estão com tanta raiva dos Estados
Unidos", afirma. O Sr. Goldman já visitou mais de
45 países em sua vida, inclusive o Brasil.
Benjamin Barber, professor de estudos da sociedade civil na
Universidade de Maryland, faz outra sugestão na revista
de rock Rolling Stone (http://www.rollingstone.com), "A
justiça não vem com uma resposta militar, mas
sim através de uma ordem internacional marcada pela justiça
Na nossa busca por comércio internacional e mercados
livres e abertos a corporações e bancos, temos
globalizado o capitalismo e as relações de trabalho
sem globalizar as instituições civis e democráticas
que aqui nos Estados Unidos amenizam as contradições
do capitalismo e fazem com que seja não só eficiente,
mas justo."
Apesar do alto índice de apoio da população
americana às políticas do Presidente Bush a curto
prazo, até os maiores jornais não imaginam que
isso continue quando americanos começarem a voltar feridos
ou mortos. No jornal The Washington Post do dia 29 de setembro,
foi publicado um artigo a favor de uma reação
forte pelo governo, mas que assim mesmo mencionou: "Muitos
queriam que os pacifistas tivessem razão - que este problema
pudesse ser resolvido sem mortes e é provável
que este tipo de desejo se traduza num maior ceticismo contra
a guerra ao terrorismo quando a guerra ficar mais dura."
Talvez os pacifistas acreditem que com cada nova geração
que tem acesso a uma educação orientada para a
cultura de paz, incluindo lições sobre a vida
dos grandes pacifistas (Gandhi, King, e outros) e aulas sobre
resolução de conflitos, a população
americana aos poucos vai entender melhor o raciocínio
da paz. Um raciocínio que aponta a mesma solução
defendida por Colman McCarthy no jornal The Los Angeles Times
no dia 17 de setembro: "Tirar apoio político, financeiro
e emocional de todos os que praticam violência, seja ela
quente (a violência ilegal e não oficial como aquela
do dia 11) ou fria (a violência legal e oficial como a
existência da pobreza e desnutrição), e
transferir o apoio para aqueles que estão trabalhando
para eliminar a violência."
Theresa Williamson, Rets
Theresa Williamson é Diretora Executiva da organização
Comunidades Catalisadoras (http://www.comcat.org)